quinta-feira, 13 de março de 2008

Romance do Vaqueiro Rei (Cordel de Guilherme de Faria)



1
Vou contar neste romance
Um caso que é novidade
Pra quem no Sertão avance
Quanto mais pros da cidade:

2
Morava aqui neste rancho
Sem água nem para um pote
Um vaqueiro Don Quixote
Que não tinha nem seu Sancho.

3
O povo se retirava
Morrendo que nem desova
Largando miséria brava
Pra buscar miséria nova.

4
Passando pelo ranchinho
Do nosso herói, no caminho
Pediam um copo de água
Só pra umedecer a mágoa.

5
Mas, ai, que o pobre vaqueiro
Santino, (era o seu nome),
Que não era desordeiro
Resolveu vencer a fome.

6
E saindo do cercado
Se pôs na frente do povo
Dizendo que tinha achado
Saída prum Mundo Novo.

7
Montado num rocinante
Com seu gibão costurado
Todo assim ataviado
Era muito impressionante.

8
O pobre povo prascóvio
Precisando de um guerreiro
Da Fé, o que era óbvio
O seguiu mais que ligeiro.

9
Andaram por esse Sertão
Até chegar num grotão
Que havia nos Angico
Não muito longe do Chico

10
A grota que dava medo
Do finado Lampião
Devia ter um segredo
Que causava confusão.

11
Foi ali que os cangaceiros
Tinham buscado a entrada
Do Reino dos Cavaleiros
Pra fazer sua morada

12
Mas não houve tempo hábil
Pra descobrir os degraus
Chegaram os do fuzil
Pra acabar com bons e maus.

13
Santino que era parente
Do único sobrevivente
Sabia de um mapa gravado
Numa pedra ali ao lado.

14
O vaqueiro comandava
Com tão grande autoridade
Que o povo até aceitava
Procurar na Eternidade

15
Foram morrendo afinal
Em torno do Peão Santo
Só sobrando o General
E mais dois ou três, se tanto.

16
Foi na seca de Noventa
Ou de que outro ano for
Que a Ciência sempre atenta
Resolveu mandar doutor

17
Os homens da Faculdade
Procurando uma cidade
Perdida nesse Sertão
Deram com aquele grotão

18
Se foi sorte ou foi ciência
Se foi simples coincidência
Não se sabe, nem importa
Pois achou-se, então, a porta

19
E os degraus tão procurados
Que levavam ao Salão
Do grande rei Sebastião
E os seus barões destacados

20
Mas o que impressionou
Aqueles doutos senhores:
A gruta se transformou
Num Palácio dos Horrores

21
No grande trono mediúnico
Tendo ao lado seu ministro
Santino Primeiro e único
Fitava com olhar sinistro.

22
Seu gibão como couraça
De couro o chapéu, coroado
Trazia na mão, dourado
O grande Cetro da Raça

23
As perneiras tão ornadas
De cadarços e fivelas
Eram suas botas fadadas
A pisar nas caravelas.

24
Seu exército já sem sede
No recinto semeado
De pilastras para rede
Tava ali, mas assombrado.

25
Não faltava nem bufão:
Aos pés do grande monarca
Jaziam os ossos do anão
Mais famoso da comarca.

26
No grande salão da esquerda
Nova surpresa mostrou
A imensidão da perda
Que o mundo nunca sonhou:

27
Um exército cadavérico
De um milhão de soldados
Com seu aspecto feérico
Legião de deserdados.

28
Reinando com ar arguto
Santino, o rei que venceu
Foi visto por um minuto
E depois desvaneceu.

FIM