segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Luz eu tô chegando..

Para o Ju Corte Real, que me desejou LUZ PAZ AMOR:


Luz eu tô chegando, Paz tô quase, Amor me sobra...
Só falta o comerciante que em mim cobra
A ausência absoluta e lamentável,
Pois sempre achei indigna da Obra
Sujá-la com o carimbo de "Rentável"...
Mas se o coração está feliz
E se por pobretão ainda passo
Que importa ao mundo meu fracasso?
E isso é o meu sucesso quem o diz...

(Guilherme de Faria, ele mesmo)

domingo, 19 de dezembro de 2010

Romance da Moça do Ramalhete (de Guilherme de Faria)

Romance da Moça do Ramalhete)
(cordel de Guilherme de Faria)

1
Seu dotô, num tá lembrado?
Então deixa que lhe alembro
Foi aqui neste prado
No começo de Setembro

2
Esse campo de trigo
Parecia um tapete
E havia junto comigo
A moça do ramalhete.

3
O doutor se lembra agora? ..
Eu trazia o violão
Que comigo colabora
Mas até parece que não...

4
Eu cantava para a moça
Que afinal era minha noiva
Que parecia uma louça,
Fiz uma xilo c’o a goiva,

5
Tá aqui, ó, tá vista?
Esse é o retrato dela.
Tá meio tosco e revela
O bronco do retratista.


6
Mas o ramalhete, o tal
Num pode ter esquecido
Pois noiva de capiau
Sem a flor num tem sentido

7
Depois daquele manhã
Nesta mesma colina
A louça que era louçã
Nem era a mesma menina.

8
Suspirava, tava vaga
E tinha um olhar suspeito
Colocando a mão no peito
Enquanto nóis cavalgava.

9
E foi que um dia sumiu
Na véspera do casório
E eu de calça e suspensório
Perguntava se alguém viu.

10
Uma semana passada
Voltou e já num era ela
Tava meio amarela
Quer dizê, envergonhada.


11
Num me deu explicação
Mas ainda suspirava
E cantava uma canção
De moça que se afogava.

12
Ninguém esperava tanto
A gente só esperava
Passar aquele canto,
A dor que aquilo passava.

13
Mas ela sumiu de novo
Para só ser encontrada
Por um esforço do povo
De bater essa chapada

14
E encontrar ela no poço
Toda de branco vestida
Boiando como um destroço
E com a vida perdida.

15
Perdi o rumo então
Nem esperei o enterro
E pus o pé no estradão,
Miseráve como um perro.

16
E depois de errar um tanto
Lembrei do encontro fortuito
Que começou a vir muito
Nos sonhos pra meu espanto.

17
Então pra mim se fez luz
Na escuridão mardita
Mas lume que não conduz
Senão pra maior desdita.

18
E agora doutor me diga
O que fez da minha amiga
Que sortilégios usô,
Como foi que a enfeitiçô?

19
Mas num importa de fato
Sei que é home bonito
Só fumando nesse pito
Que nem tem cheiro de mato.

20
Vou então direto ao ponto
Traga padrinho e pistola
O meu é a minha viola
Dez passos dois tiro e pronto.

21
Nem sei se o dotô é culpado
Talvez de fato nem seja
Mas agora, mire e veja
Já faz parte do meu fado

22
E se não lhe tiro do sonho
Vai virar o meu demônio
E sairei do tristonho
Para um novo matrimônio:

23
O da loucura brabeira
Por isso prefiro o momento
De ficar como a peneira
Presente de casamento.

24
E se é bravata, tá feita
Num aceito um não de troco
Que me faz uma desfeita
Se num me trocá pipoco.

25
Já fiz o meu testamento
A viola e o ramalhete
Que deixo ao mundo e ao vento,
Tá escrito num bilhete.

26
E faço testamenteiro
Ao homem que me matar
Pra lhe dar o que pensar
Mesmo se sair inteiro.

27
E agora seu moço bonito
Vamo deixá de conversa
Pois quem muito tegiversa
Cai na mentira ou no mito.

28
Lhe espero nesta colina
Enquanto o dotô vai buscá
Na memória a tal menina
Que de amor fez afogá...

FIM

19/12/2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sobre o poeta de Cordel GUILHERME DE FARIA

GUILHERME DE FARIA é artista plástico profissional desde 1962, vivendo exclusivamente de sua arte desde então, com mais de 43 anos de carreira ininterrupta, dedicados à pintura, ao desenho e à gravura. Tendo realizado centenas de exposições individuais e coletivas, no Brasil e no exterior, suas obras, que se distribuem em diversas fases, estão presentes em grandes coleções particulares , nacionais e estrangeiras, e em alguns museus brasileiros importantes como MAM, o MASP, e o Museu de Arte Brasileira da FAAP.
A partir de Julho de 2001, Guilherme, sabendo-se um contador de histórias nato (fato até então conhecido somente por seus amigos e parentes), resolveu dedicar-se também à literatura. Desde aquela data, não parou mais de escrever diariamente, tendo produzido um livro de contos “autobiográficos-delirantes” denominado “O Navio sob os Telhados”; um livro de poemas., um gracioso “Sonetos da Sertaneja¨”, um livro de estórias sertanejas em prosa, que ele chamou “Contos do Sertão”, todos inéditos, por serem recentes, e ainda não submetidos à editoras.. Mas considera publicado um livro de estórias em versos rimados, que realmente invadem o terreno da poesia, chamado ROMANCES DE CORDEL, que ele divulga em forma de folhetos ilustrados por ele mesmo, no estilo das xilogravuras populares do Nordeste.
A qualidade dos textos e das ilustrações vem notabilizando esse trabalho. O autor conseguiu uma grande homogeneidade de qualidade nos 100 poemas narrativos (até o momento), cujas estórias originais, de sua imaginação, revelam uma extraordinária fluência de inspiração, com linguagem, espírito e ambiência autenticamente sertanejos, sobre o fundo da caatinga nordestina, em plena seca. Trata-se de um fenômeno, pois o autor é paulistano, dos Jardins, sem ascendentes nordestinos, nascido e criado, como ele diz, “à beira da rua Augusta, esse “rio inglório”...
O poeta atribui esse “surto” tardio de inspiração sertaneja à experiência de uma expedição de sete dias realizada em 1970, pelo sertão de Pernambuco e Paraíba, numa perua cujo motorista que o convidou, tinha sido contratado para recolher mestres violeiros e repentistas, para conduzi-los até um grande congresso desses virtuoses que seria realizado em Campina Grande, na Paraíba. Guilherme conta essa estória, de maneira mítica, como “a viagem da procura do Pavão Misterioso”. Trinta anos depois, essa experiência única, decantando-se no espírito do poeta, e cristalizando-se, produziria o nascimento deste cordelista inusitado, cujos poemas, extremamente profundos, originais e belos, freqüentemente trágicos, mas ao mesmo tempo de grande lirismo, contendo também momentos de muito humor, poderíamos chamar de pequenas obras-primas.
O autor ainda teve a excelente idéia de reuni-los numa atraente caixinha de madeira, com título e ilustração na tampa, e original fecho de cadarço de couro, evocando os dos gibões dos vaqueiros; que ele, ironicamente denominou “Kit Cordel”, objeto que vem encantando as pessoas que o conhecem, podendo-se dizer que trata-se já de um novo sucesso do pintor e poeta. Essa obra foi adquirida já pela Biblioteca do Congresso em Washington, a maior e mais importante biblioteca do mundo, e por bibliotecas de universidades americanas, como a New Mexico University Library , USA., entre outras. (Vide “New Aquisitions List “ June 2005, Guilherme de Faria, Romances de Cordel), no Google.
(Texto de A. W.)

domingo, 24 de janeiro de 2010

ROMANCE DA VIDÊNCIA (Cordel de Guilherme de Faria)




Romance da Vidência
(Cordel de Guilherme de Faria)



1
Preparem a sua emoção
Para um caso do Destino
Vou usar todo o meu tino
Pra cantar sem violão.

2
Só preciso achar o tom,
Que a música deste poema
Cria seu próprio sistema
De silêncios e de som.

3
Havia nesta divisa
Uma cigana arretada
O seu nome era Rafisa
Parecia alumiada.

4
Tinha o dom da profecia
Mas, cassandra malfadada
Era sempre acreditada
Só depois que acontecia

5
Aí houve o incidente,
Que chegou no seu terreiro
Um capiau renitente
Que era um pobre ferreiro.

6
Vinha montado sem sela
E embora fosse cascudo
Era bonito e parrudo
Sem papos nem xurumela.

7
Rafisa (quase esquecia)
Era um pouco desgrenhada,
Também tinha a latumia
De uma Medusa da estrada.

8
Quer dizer: era bonita
E até muito faceira
Descontada a cabeleira
E a saia sarapintada.

9
O matuto desmontou
E tirou o chapéu de couro
Parou um pouco e olhou
Com aqueles olhos de mouro.

10
“Siá Rafisa, venho vindo
De muito longe, seguindo
A fama de vosmecê,
Queira pois me recebê.

11
Venho da Pedra Preta
Um raso onde num chove
Desde a noite do cumeta
Que ainda o povo comove.

12
Mas num vim pedir trovão
Que num é de sua alçada
É lance de coração
Ou de vida amargurada.

13
Me deixa entrá que lhe esprico
Siá Rafisa, ocê me escuta,
E se falo, não discuta
Que se calo, me comprico.”

14
Rafisa olhou o matuto
De cima a baixo e botou
A mão no colo e virou
Com aquele ar arguto

15
E na mesa da cozinha
Sem a bola de cristal
Sentou depois da voltinha
Com seu jeito sensual.

16
“Como digo a vosmecê
Ando muito agoniado
Duma paixão sem mercê
Por um sonho inalcançado.

17
Ela se chama Lazinha
E nem sabe que eu existo,
Filha do coroné Xisto
Tar quar uma princesinha.

18
Quando passa amuntada
Joga moeda no ar
Pra meninada catar
No meio da gritaiada.

9
Um dia chegou na frágua
Pedindo um pouco de água
Bebeu sem me oiá, pensei,
Ou fui eu que não oiei

20
A não ser, pro seu pezinho,
Carçado cuma alpercata
Fina, de ouro e prata
Mostrando aqueles dedinho

21
Que prestei muito sentido,
Para minha perdição
O segundo mais comprido
Que o primeiro, como a mão.

22
Depois disso, ó minha mágoa,
Só brinca de esconde esconde:
Já não quis mais pedir água
Na casa deste visconde.

23
Siá Rafisa, me diga
O que faço pra arrancá
Do meu peito essa urtiga,
Pra dessa paixão me livrá?”

24
A cigana reparou
Nos olhos do capiau
Botou cartas e apontou
Um modesto dois de pau.

25
“Hóme,” disse a cigana,
“Tá escrito aqui tão claro,
E essa carta não me engana,
Que não vou nem cobrar caro.

26
A coronelinha vai
Beber água em sua palma
Mas num posso dizer mais
Pelo bem da minha alma.”

27
O matuto se afastou
Semeado de esperança
E pra sua forja voltou
Terminada a sua andança.

28
Uma semana passada,
Voltou ele galopando,
Parecendo alma penada,
E chegou logo gritando:

29
“Siá Rafisa, bota a sorte
Que quero o dia saber
E a hora da minha morte
Para o quanto vou dever

30
Porque de hoje não passo:
A moça veio beber
Da parma deste palhaço
Mas foi de tanto sofrer

31
No momento do trespasso.
Caminhou mais de três légua
Sangrando quase sem trégua
Pra vir morrer no meu braço.

32
Baleada no pulmão
Por um pretendente em mágoa,
Morreu bebendo da água
Da parma da minha mão!”

FIM

12/07/2001

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Mundo, mundo, vasto mundo

"Mundo, mundo, vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo"
seria só um versinho imundo...
Mas como foi o Drummond
Todo mundo acha bom.

(Guilherme de Faria, rsss)