terça-feira, 5 de abril de 2011


Capa do folheto com xilo do autor

ROMANCE DO MOÇO GUEI

(cordel de Guilherme de Faria)

1
Abram-se as cortinas
Deixem eu passar o som;
Alô, alô minhas meninas
Vai começar a função!

2
Mulher bonita não paga
Senta aqui na coxia
Após o show se houver vaga
Iremos pra hospedaria.

3
Sou um contador de estória
Mas chegado em putaria;
Contar causo é minha glória,
Mulherada é minha alegria.

4
Já andei por esse mundo,
De teatro em carroção,
Circo, barco, caminhão.
Trem de ferro e trem imundo.

5
Me apresento aonde quer
Que haja um pedaço de pão;
Serve um beijo de mulher
Serve um gole e uma canção.

6
Qualquer das coisas gostosas
Podem ser a minha paga.
Em troca eu faço glosas
Que o povo de rir se caga.

7
Vou contar pra divertir
Um causo bem verdadeiro
Que embora faça rir
Mexeu com meu ser, inteiro.

8
Foi num circo em que andei,
O mais mambembe eleito,
Mas que tinha um moço guei
Que era um ser quase perfeito.


9
Sua beleza feminina
Era maior que a delas,
A cintura muito fina,
Ancas redondas e belas.

10
Seios como alabastros
Que brilhavam como astros
Quando naquele fio bambo
Desnudava em pleno mambo.

11
Que pernas, que maravilha!
E os pesinhos, então?
Pele que sente a ervilha
Debaixo de um colchão...

12
Esse moço, eu confesso,
Por ele me apaixonei,
Mas fiquei meio possesso,
Que não o sabia guei.

13
Eu acreditara tanto
No seu dom de transformar!
Sua mágica, meu espanto,
Era a mulher imitar

14
Mas com tanta perfeição
Que sendo ele um poeta
Transcendera a imitação
E ultrapassara sua meta

15
Criando o mais belo ser
Que eu já vira até então,
Estragando o meu ver
Das mulheres como são.

16
Agora vejam, amigos,
Que triste situação:
Meus amores mais antigos
Caíram, foram ao chão.

17
Nada pude comparar
Com aquele moço guei,
Que era princesa, ou rei,
Não saberão sem corar.

18
Pois ele ou ela me amou
Igualmente consternado;
Não sabia quem ficou
Realmente apaixonado:

19
A mulher que vi primeiro
Ou o guei que transformou
A vida num picadeiro
E meu coração encantou.

20
Não vou contar o desfecho,
Que não tenho intimidade,
Nem tampouco tal desleixo
Com a platéia da cidade.

21
Mas asseguro, amigas,
Que embora eu ame a mulher
Eu vi algo, vi um ser
Que ultrapassou as antigas,

22
Aquelas mulheres das fitas
Ou de quadros de museu,
Que eram mais que bonitas:
Faziam crer um ateu.

23
Eu soube então, acredito,
Que aquele ser bendito
Era o tal “Hermafrodito”
Que já houvera no Egito

24
Ou na Grécia, tanto faz
Numa Era de Paz
Antes do deus guerreiro
Rachá-lo ao meio inteiro.

25
Por isso, peço licença,
Que hoje não tem função
Vou pro “Hotel Regença”
Depois volto à gozação...

FIM

06/03/2005