tag:blogger.com,1999:blog-78409160416978501562024-02-19T08:27:08.285-08:00O Cordel de Guilherme de FariaGuilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.comBlogger84125tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-57523126375452332282019-02-14T13:05:00.001-08:002019-02-14T13:05:20.681-08:00Audiolivro | Romances De Cordel<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="270" src="https://www.youtube.com/embed/VCGI61b9rA4" width="480"></iframe>Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-3093260494066616732019-02-14T13:01:00.001-08:002019-02-14T13:02:02.457-08:00https://youtu.be/QdQNvtJLJhwGuilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-68765519019289268622012-03-18T03:19:00.003-07:002012-03-18T03:21:00.310-07:00Romance da Vidência (Cordel de Guilherme de Faria)<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj44BKodgsoRpcqkGfqOmgO6AtWAaNu9mvaEYz6sKBnumqeD1SzHRMKJvso7E9JUh2OzDXHSFyRs4RDwd649kvtnWxbIZC8Szd3H3jpmQuDASDtscagDhoOz60-3DnxnKjFwtY0TMQC8LY/s1600-h/Vid%C3%AAncia+IV.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 245px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj44BKodgsoRpcqkGfqOmgO6AtWAaNu9mvaEYz6sKBnumqeD1SzHRMKJvso7E9JUh2OzDXHSFyRs4RDwd649kvtnWxbIZC8Szd3H3jpmQuDASDtscagDhoOz60-3DnxnKjFwtY0TMQC8LY/s400/Vid%C3%AAncia+IV.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5430264271896961090" /></a><br />
<b>Romance da Vidência <br />
(Cordel de Guilherme de Faria)</b><br />
<br />
<br />
1<br />
Preparem a sua emoção<br />
Para um caso do Destino<br />
Vou usar todo o meu tino<br />
Pra cantar sem violão.<br />
<br />
2<br />
Só preciso achar o tom,<br />
Que a música deste poema<br />
Cria seu próprio sistema <br />
De silêncios e de som.<br />
<br />
3<br />
Havia nesta divisa<br />
Uma cigana arretada<br />
O seu nome era Rafisa<br />
Parecia alumiada.<br />
<br />
4<br />
Tinha o dom da profecia<br />
Mas, cassandra malfadada<br />
Era sempre acreditada<br />
Só depois que acontecia<br />
<br />
5<br />
Aí houve o incidente,<br />
Que chegou no seu terreiro<br />
Um capiau renitente<br />
Que era um pobre ferreiro.<br />
<br />
6<br />
Vinha montado sem sela <br />
E embora fosse cascudo<br />
Era bonito e parrudo<br />
Sem papos nem xurumela.<br />
<br />
7<br />
Rafisa (quase esquecia)<br />
Era um pouco desgrenhada,<br />
Também tinha a latumia <br />
De uma Medusa da estrada.<br />
<br />
8<br />
Quer dizer: era bonita <br />
E até muito faceira<br />
Descontada a cabeleira<br />
E a saia sarapintada.<br />
<br />
9<br />
O matuto desmontou<br />
E tirou o chapéu de couro<br />
Parou um pouco e olhou<br />
Com aqueles olhos de mouro.<br />
<br />
10<br />
“Siá Rafisa, venho vindo<br />
De muito longe, seguindo<br />
A fama de vosmecê,<br />
Queira pois me recebê.<br />
<br />
11<br />
Venho da Pedra Preta<br />
Um raso onde num chove<br />
Desde a noite do cumeta <br />
Que ainda o povo comove.<br />
<br />
12<br />
Mas num vim pedir trovão<br />
Que num é de sua alçada<br />
É lance de coração<br />
Ou de vida amargurada.<br />
<br />
13<br />
Me deixa entrá que lhe esprico<br />
Siá Rafisa, ocê me escuta,<br />
E se falo, não discuta<br />
Que se calo, me comprico.”<br />
<br />
14<br />
Rafisa olhou o matuto<br />
De cima a baixo e botou<br />
A mão no colo e virou<br />
Com aquele ar arguto <br />
<br />
15<br />
E na mesa da cozinha<br />
Sem a bola de cristal<br />
Sentou depois da voltinha<br />
Com seu jeito sensual.<br />
<br />
16<br />
“Como digo a vosmecê<br />
Ando muito agoniado<br />
Duma paixão sem mercê<br />
Por um sonho inalcançado.<br />
<br />
17<br />
Ela se chama Lazinha<br />
E nem sabe que eu existo,<br />
Filha do coroné Xisto<br />
Tar quar uma princesinha.<br />
<br />
18<br />
Quando passa amuntada<br />
Joga moeda no ar<br />
Pra meninada catar<br />
No meio da gritaiada.<br />
<br />
9<br />
Um dia chegou na frágua<br />
Pedindo um pouco de água<br />
Bebeu sem me oiá, pensei,<br />
Ou fui eu que não oiei<br />
<br />
20<br />
A não ser, pro seu pezinho,<br />
Carçado cuma alpercata<br />
Fina, de ouro e prata<br />
Mostrando aqueles dedinho<br />
<br />
21<br />
Que prestei muito sentido,<br />
Para minha perdição<br />
O segundo mais comprido<br />
Que o primeiro, como a mão.<br />
<br />
22<br />
Depois disso, ó minha mágoa,<br />
Só brinca de esconde esconde:<br />
Já não quis mais pedir água<br />
Na casa deste visconde.<br />
<br />
23<br />
Siá Rafisa, me diga<br />
O que faço pra arrancá<br />
Do meu peito essa urtiga,<br />
Pra dessa paixão me livrá?”<br />
<br />
24<br />
A cigana reparou <br />
Nos olhos do capiau<br />
Botou cartas e apontou<br />
Um modesto dois de pau.<br />
<br />
25<br />
“Hóme,” disse a cigana,<br />
“Tá escrito aqui tão claro,<br />
E essa carta não me engana,<br />
Que não vou nem cobrar caro.<br />
<br />
26<br />
A coronelinha vai<br />
Beber água em sua palma<br />
Mas num posso dizer mais<br />
Pelo bem da minha alma.”<br />
<br />
27<br />
O matuto se afastou<br />
Semeado de esperança<br />
E pra sua forja voltou<br />
Terminada a sua andança.<br />
<br />
28<br />
Uma semana passada,<br />
Voltou ele galopando,<br />
Parecendo alma penada,<br />
E chegou logo gritando:<br />
<br />
29<br />
“Siá Rafisa, bota a sorte<br />
Que quero o dia saber<br />
E a hora da minha morte<br />
Para o quanto vou dever<br />
<br />
30<br />
Porque de hoje não passo:<br />
A moça veio beber<br />
Da parma deste palhaço<br />
Mas foi de tanto sofrer<br />
<br />
31<br />
No momento do trespasso.<br />
Caminhou mais de três légua<br />
Sangrando quase sem trégua<br />
Pra vir morrer no meu braço. <br />
<br />
32<br />
Baleada no pulmão <br />
Por um pretendente em mágoa,<br />
Morreu bebendo da água <br />
Da parma da minha mão!”<br />
<br />
FIM<br />
<br />
12/07/2001Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-72434470850745084892012-03-18T02:59:00.004-07:002012-03-22T12:59:58.637-07:00Romance do Tuím (cordel de Guilherme de Faria)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVBhSqS1g3DqPGxu3_GQ3C4T-SCngNvkmSQMTfmzyQuWiAIxxn4fbi0ZZVLGJ33V1HqtCc7z7w-z600mGRwX4nIYCXxyxriE3RjIB2DS3JQqU0ImcS4U2XcYzMBaDjZTyuzx26ivk1ZWA/s1600/Romance+do+Tuim.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="400" width="157" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVBhSqS1g3DqPGxu3_GQ3C4T-SCngNvkmSQMTfmzyQuWiAIxxn4fbi0ZZVLGJ33V1HqtCc7z7w-z600mGRwX4nIYCXxyxriE3RjIB2DS3JQqU0ImcS4U2XcYzMBaDjZTyuzx26ivk1ZWA/s400/Romance+do+Tuim.jpg" /></a></div><b>Romance do Tuím <br />
(cordel de Guilherme de Faria)</b><br />
<br />
1<br />
O menino Tuím<br />
Dirigiu-se à taperinha,<br />
Parou de fungar assim<br />
Que viu a sua cabrinha.<br />
<br />
2<br />
Anaís, o nome dela,<br />
Que dava leite, coitada,<br />
Pr'um cabritinho e pra ela: <br />
A Gerusa adoentada,<br />
<br />
3<br />
Que jazia na rede<br />
Co'a aquela febre malsã<br />
Desde ontem de manhã<br />
Com delírio e muita sede.<br />
<br />
4<br />
Viviam num universo<br />
Restrito mas não menor<br />
Pois o terreiro disperso<br />
Era o Sertão ao redor,<br />
<br />
5<br />
Esse espaço infinito<br />
De tanta fábula e mito,<br />
De tanta necessidade<br />
Em sua realidade.<br />
<br />
6<br />
O fogão que era de lenha<br />
Esquentava o café<br />
Que era feito só de fé,<br />
Ralo como a resenha<br />
<br />
7<br />
Do Almanaque da Sé <br />
Que era a só mensagem<br />
Que chegava como aragem<br />
A esse mundinho até.<br />
<br />
8<br />
Tuím ficou só olhando<br />
A Gerusa delirando<br />
C’o olho dele parado<br />
Muito grande, arregalado<br />
<br />
9<br />
De menino de Sertão<br />
Que ocultava por dentro<br />
Um olhar vindo do centro<br />
Da alma e do coração.<br />
<br />
10<br />
Tuím pensava forte<br />
Na irmã e sua sorte<br />
Que ele creía estar<br />
Sob proteção do lar<br />
<br />
11<br />
E da sua também<br />
Desde que cobrira bem<br />
Os olhos da pequeninha<br />
Pr’ela não ver o que vinha<br />
<br />
12<br />
Naquele parto sangrento<br />
De sua mãe na esteirinha<br />
Gritando, como no vento<br />
Fazia a sua cabrinha.<br />
<br />
13<br />
Agora olhava sozinho<br />
Até que a Gerusa foi<br />
Saindo sem dizer “oi”<br />
Da rede e do corpinho.<br />
<br />
14<br />
Tuím a acompanhou<br />
Na rede até o outeiro,<br />
No solo que se elevou<br />
Só para aquele canteiro<br />
<br />
15<br />
De cruzes todo brotado<br />
Como peito cravejado<br />
Das balas de um destino<br />
De sentido insuspeitado.<br />
<br />
16<br />
Ali já estavam dormindo<br />
Mais de um irmãozinho,<br />
A mãe e até o paínho,<br />
Uma tia e o Laurindo,<br />
<br />
17<br />
Moço que fora um irmão<br />
Para o Tuím por um tempo<br />
E deixara o convento<br />
Pra cuidar de sua mão<br />
<br />
18<br />
Que o Tuím machucara<br />
Ao brincar c’uma sovela<br />
Enferrujada e ficara<br />
Perto de ficar sem ela.<br />
<br />
19<br />
De algum modo pegou<br />
No moço a infecção.<br />
Tuím perdeu um irmão,<br />
O outeiro outro ganhou.<br />
<br />
20<br />
Agora Gerusa ia<br />
Ali dormir ao seu lado<br />
Pois co’aquela companhia<br />
Ninguém ficava acordado.<br />
<br />
21<br />
Mas aquela plantação<br />
Prometia só crescer,<br />
Havia ainda um irmão<br />
Mais velho para perder<br />
<br />
22<br />
E uma tia que, coitada,<br />
Vagava sem energia<br />
Sonhando meio acordada<br />
Com um vaqueiro que havia<br />
<br />
23<br />
Que ela pensava um barão<br />
Vestido com uma couraça<br />
Que era de aço sem jaça<br />
E não de couro o gibão.<br />
<br />
24<br />
Tuím então se jurava<br />
Sair do lar e partir<br />
Antes que fosse dormir<br />
No outeiro que o esperava.<br />
<br />
25<br />
Voltou até a tapera<br />
Juntando as miserinhas:<br />
O seu pião de madeira,<br />
O canivete e as bolinhas,<br />
<br />
26<br />
Enterrou-as no terreiro<br />
Afastando o espevite<br />
De Anaís que um certo cheiro<br />
De cola fazia apetite.<br />
<br />
27<br />
Depois calcou o lugar<br />
Para só ele encontrar<br />
E reentrando fez a trouxa<br />
Com quase nada, até frouxa.<br />
<br />
28<br />
Pendurou-a no ombro<br />
E passou pela cabrinha<br />
Que o olhava sem assombro<br />
Como se fosse advinha<br />
<br />
29<br />
Enquanto ela era olhada<br />
Num mesmo olhar que continha<br />
O casebre e a cabrinha,<br />
Com a cabeça voltada<br />
<br />
30<br />
Andando pra frente ia<br />
Com um andar que ninguém vira.<br />
Co’esse jeito parecia<br />
O andar do Curupira.<br />
<br />
31<br />
Até que afinal virou<br />
O rosto também pra frente<br />
Co’aquele passo de gente<br />
Que o destino enfrentou.<br />
<br />
<br />
32<br />
Andando naquela planura<br />
Sem fim, que o engolia<br />
Para quem somente o via<br />
De uma mesma postura<br />
<br />
33<br />
Pois sua estória não ia<br />
Acabar na travessia:<br />
O pequeno sertanejo<br />
Seria agora um andejo<br />
<br />
34<br />
E haverá de chegar<br />
Na são Paulo, capital, <br />
Pra de novo começar<br />
Uma saga emocional<br />
<br />
35<br />
Que havera de vencer<br />
Porque já nascera forte<br />
E sendo cabrinha do Norte<br />
Tinha o que dar e vender.<br />
<br />
FIMGuilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-19591314458143186622012-02-20T09:03:00.004-08:002012-02-20T23:59:31.921-08:00Romance do Cordelista (Cordel de Guilherme de Faria)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBbJfehgk6JfjP_MnySQKApIHJF-10elBR-bA8sU0FFvxm-HaJMmz2qTsVUIPjJZNTHOXykvS1J7AlqhJM-0n-RdipYuFzVcJBBbrdPKe3a159KgT_lrIB83KpdtjuePl3_YeWjOCCtAo/s1600/Romance+do+Cordelista.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="400" width="384" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBbJfehgk6JfjP_MnySQKApIHJF-10elBR-bA8sU0FFvxm-HaJMmz2qTsVUIPjJZNTHOXykvS1J7AlqhJM-0n-RdipYuFzVcJBBbrdPKe3a159KgT_lrIB83KpdtjuePl3_YeWjOCCtAo/s400/Romance+do+Cordelista.jpg" /></a></div><br />
<br />
<b>Romance do Cordelista</b><br />
(<i>Cordel de Guilherme de Faria)</i><br />
1<br />
Senhores, senhoras, povo:<br />
Escutai minha oração.<br />
Não é prece, não é novo,<br />
Mas me vem do coração!<br />
<br />
2<br />
Pra me fazer entender<br />
Depus pincel e paleta,<br />
Voltei de novo a escrever<br />
E me tornei um asceta,<br />
<br />
3<br />
Pois que para escrever<br />
É preciso aceitar<br />
Já não ter o que vender<br />
E a pobreza acatar.<br />
<br />
4<br />
É preciso amar o verbo,<br />
Com a palavra pintar,<br />
Os quadros continuar<br />
Num recurso tão acerbo<br />
<br />
5<br />
Pois as cores na escrita<br />
Têm sua visão restrita<br />
À pura imaginação<br />
(se é que é restrição)<br />
<br />
6<br />
Agora sou cordelista<br />
Mas como tal sou artista:<br />
Pinto a vida e sua emoção,<br />
Vou mais longe, na canção.<br />
<br />
7<br />
Viajo por esse mundão<br />
Vasto do meu sertão,<br />
Que eu não via tanto céu<br />
Somente com meu pincel.<br />
<br />
8<br />
Ando com vaqueiro rude<br />
Pela caatinga bravia,<br />
Com as telas nunca pude<br />
Perpetrar essa ousadia.<br />
<br />
9<br />
Vivo a vida das donzelas<br />
E os amores que eram delas:<br />
Coronéis, frades, bandidos<br />
E desejos escondidos.<br />
<br />
10<br />
Sou um monge, sou palhaço<br />
E passo a ser o que faço,<br />
Com a pena a discorrer<br />
Sobre o tema que escolher.<br />
<br />
11<br />
Percorro as terras do Norte<br />
Que eu não via no ateliê,<br />
Mas que agora a alma vê <br />
Sem precisar de transporte.<br />
<br />
12<br />
Tenho toda a ventura<br />
De viver tanta aventura<br />
E pouco risco correr<br />
De cruelmente morrer<br />
<br />
13<br />
A não ser de fome mesmo<br />
Sobre a mesa do estúdio<br />
Se houver muito repúdio<br />
E faltar pão com torresmo<br />
<br />
14<br />
Se o povo não apreciar<br />
O que tenho pra contar<br />
Ou se não quiser pagar<br />
Folheto de xerocar.<br />
<br />
15<br />
Sou pirata de mim mesmo,<br />
A mim mesmo editando,<br />
No xerox copiando<br />
E vendendo meio a esmo.<br />
<br />
16<br />
Mas quanto prazer eu sinto<br />
Isso eu confesso, não minto<br />
Fazer o homem comum<br />
Pagar por um simples pum<br />
<br />
17<br />
Mas da alma e seu delírio,<br />
Por vezes branco qual lírio<br />
Às vezes negro sombrio<br />
Como um tenebroso rio.<br />
<br />
18<br />
E assim pedindo passagem<br />
Aos meus novos galeristas<br />
Não ratos de vernissagem,<br />
Novos-ricos arrivistas<br />
<br />
19<br />
Mas àqueles a quem pena<br />
Fala mais do que pincel,<br />
A quem a imaginação plena<br />
É livrada no Cordel!<br />
<br />
20<br />
Passei a viver profundo<br />
Um novo ciclo de vida<br />
Com todas as vidas do mundo<br />
Com todo amor, toda lida,<br />
<br />
21 <br />
Cavalgadas no sertão,<br />
Batalhas por vã querência,<br />
Um ferreiro e sua paixão,<br />
A cigana e sua vidência.<br />
<br />
22<br />
Duelos de coronéis,<br />
Princesas e seus anéis,<br />
Amor paixão quase tudo<br />
Eu posso viver sem estudo<br />
<br />
23<br />
Pois não preciso saber<br />
Sobre o que vou escrever,<br />
Pois esse é o mistério régio<br />
De escrever por sortilégio.<br />
<br />
24<br />
"Não sabia que sabia!"<br />
É com o que me defronto<br />
Oposto à filosofia<br />
"sei que não sei" e pronto.<br />
<br />
25<br />
Vou então finalizar<br />
Para dormir e acordar<br />
Neste perpétuo sonhar<br />
Que não parece acabar,<br />
<br />
26 <br />
Pois o que é o versejar<br />
Se não um sonho acordado<br />
Ou então dormir de lado <br />
Para ao menos não roncar?<br />
<br />
27<br />
Deixem aos porcos o ronco,<br />
Paulo Afonso no sertão<br />
Ou pra quem serra tronco,<br />
Ou onça sussuarão...<br />
<br />
28<br />
Mas estou já derivando <br />
É melhor ir despedindo<br />
Pois um sujeito é bem vindo <br />
Quando chega e sai andando.<br />
<br />
30<br />
Assim fecho o escarcéu<br />
Deste meu auto-retrato<br />
Vamos pois fazer um trato<br />
Deixa eu passar o chapéu<br />
<br />
31 <br />
Que prometo vou embora<br />
Pra quem já se desespera<br />
Que lá em casa me espera <br />
A santa da minha senhora...<br />
<br />
FIMGuilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-25867497534277827462012-01-07T19:21:00.000-08:002012-01-07T19:21:02.789-08:00ROMANCE DA FILHA ROUBADA (cordel de Guilherme de Faria)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfQcjAwo2uVYskCh40sCmecp0Modyfb_Fh3RBlYIE2EvXBr5vwE3itjvdd-of7LdY_VgSVNBMmL8pdjXGIaE1oiG7rUfug9IOKfQN8bwlO7pruTtogaKvTQNLGSY_04ZHvPzNvtxTXjmk/s1600/Romance+da+Filha+Roubada.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="400" width="362" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfQcjAwo2uVYskCh40sCmecp0Modyfb_Fh3RBlYIE2EvXBr5vwE3itjvdd-of7LdY_VgSVNBMmL8pdjXGIaE1oiG7rUfug9IOKfQN8bwlO7pruTtogaKvTQNLGSY_04ZHvPzNvtxTXjmk/s400/Romance+da+Filha+Roubada.jpg" /></a></div><br />
<b>ROMANCE DA FILHA ROUBADA</b><br />
<br />
<i>(cordel de Guilherme de Faria)</i><br />
<br />
1<br />
Ouça agora povo eleito<br />
Que de onde vem tem mais.<br />
Sai da alma, sai do peito<br />
(já não sei de onde sais...)<br />
<br />
2<br />
Me refiro à inspiração<br />
De contar estas estórias<br />
Que são a motivação <br />
De viver tantas inglórias<br />
<br />
3<br />
Pois se me tornei vate,<br />
Trovador, poeta ou bardo,<br />
Devo em parte ao gesto tardo<br />
De deixar falso combate<br />
<br />
4<br />
E aceitar a pobreza<br />
(financeira, não da alma)<br />
Pois verdadeir riqueza<br />
É paz, fortuna que acalma.<br />
<br />
5<br />
Dito isso vou ao caso<br />
Que havera de contar,<br />
Repasso a estória e faço<br />
Correr por dentro o olhar:<br />
<br />
6<br />
Naquele solar antigo<br />
Na varanda pro pomar<br />
Estava meu velho amigo<br />
Sua estória a me contar,<br />
<br />
7<br />
Sentado na sua cadeira<br />
De balanço a balançar,<br />
Sua voz e sua maneira<br />
Ainda posso lembrar,<br />
<br />
8<br />
Contando como perdera<br />
Sua filha e sua mulher<br />
Pr'uma "falange guerrera"<br />
Que as quisera colher.<br />
<br />
9<br />
Eram jagunços de um tal<br />
Capitão Valença chamado<br />
Que apeou seu bando armado,<br />
Dizendo: "Não leva a mal"<br />
<br />
11<br />
"Coronel, somos de paz,<br />
E só queremos pousada.<br />
Se és um homem sagaz<br />
Nos darás , e uma montada"<br />
<br />
12<br />
"Pois precisamos de uma<br />
Pr'uma carga que sobrou<br />
Quando perdemos a bruma,<br />
Égua baia que afogou"<br />
<br />
13<br />
"Quando atravessamos rio<br />
Com ela bem crregada<br />
De feijão farinha e mío<br />
E a égua foi levada."<br />
<br />
14<br />
"Acreditei, nem temera,<br />
Eu já estava acostumado<br />
A dar guarida pra fera,<br />
Jagunço e pau-mandado.<br />
<br />
15<br />
Já hospedei cangaceiro<br />
Aquele "Diabo Louro",<br />
Corisco, o rei do berreiro,<br />
Que girava como um mouro.<br />
<br />
16<br />
Mas nunca fui um herdeiro<br />
Do medo de quem hospedei,<br />
Pois no sertão, um só rei:<br />
Hospedado e hospedeiro.<br />
<br />
17<br />
E o tal capitão Valença<br />
Não parecia feroz,<br />
Não criava desavença,<br />
Nem sequer erguia a voz.<br />
<br />
18<br />
Naquela noite minha filha<br />
Que era moça muito pura<br />
E era uma maravilha <br />
De beleza e de candura<br />
<br />
19<br />
Eu escondi no porão<br />
Onde dormiu assustada<br />
(Não convinha mostração<br />
Por causa da jagunçada).<br />
<br />
20<br />
Minha mulher servia a mesa<br />
Pois já era passadota,<br />
E eu com a mente presa<br />
No porão e na filhota.<br />
<br />
21<br />
Talvez foi isso então,<br />
Meu olhar denunciou<br />
Uma tal preocupação <br />
Que no meu porão ficou.<br />
<br />
22<br />
Então depois no meu quarto,<br />
Insone de olho aberto,<br />
Tendo a jagunçada farto<br />
E espalhado ali tão perto,<br />
<br />
23<br />
Eu tive a agonia<br />
De não saber, de fato,<br />
O que além ocorria,<br />
Sem poder sair do quarto.<br />
<br />
24<br />
Mas então lá pelas cinco<br />
Eu escutei um relincho,<br />
Levantei, saí da cama,<br />
Que não dormi de pijama<br />
<br />
25<br />
E corri pra onde iam,<br />
Trombando com as cadeiras,<br />
Pisando naquelas esteiras<br />
Onde já não dormiam<br />
<br />
26<br />
E pude ver da varanda<br />
A tropa toda montada<br />
A minha égua selada<br />
Com elas meio de banda,<br />
<br />
27<br />
Minha mulher e meu tesouro<br />
Levadas nesse roldão<br />
No meio de um pelotão<br />
Como para um matadouro.<br />
<br />
28<br />
Então gritei no vazio,<br />
Abandonando o solar,<br />
Vaguei na caatinga e no rio,<br />
Nunca canso de vagar.<br />
<br />
29<br />
Mas sempre pra aqui retorno<br />
E desço até o porão,<br />
E na esperança eu torno <br />
A olhar o seu colchão.<br />
<br />
30 <br />
Duas vezes, afinal,<br />
Logrei vê-la adormecida<br />
Sobre o leito e no quintal<br />
Debaixo de um pé de cidra.<br />
<br />
31<br />
Ela estava tão bonita, <br />
Tão entregue em seu sono<br />
Como se nunca a desdita <br />
Fosse atingir o dono<br />
<br />
32<br />
Desta casa maldita <br />
Agora surda e vazia."<br />
<br />
Que só tinha uma visita, <br />
Que era eu, que o ouvia...<br />
<br />
FIM<br />
<br />
06/03/2005Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-36250563309155478272012-01-06T08:23:00.001-08:002012-01-06T08:24:40.113-08:00Sobre o poeta de Cordel GUILHERME DE FARIA<b>GUILHERME DE FARIA</b> é artista plástico profissional desde 1962, vivendo exclusivamente de sua arte desde então, com 50 anos de carreira ininterrupta, dedicados à pintura, ao desenho e à gravura. Tendo realizado centenas de exposições individuais e coletivas, no Brasil e no exterior, suas obras, que se distribuem em diversas fases, estão presentes em grandes coleções particulares , nacionais e estrangeiras, e em alguns museus brasileiros importantes como MAM, o MASP, e o Museu de Arte Brasileira da FAAP.<br />
A partir de Julho de 2001, Guilherme, sabendo-se um contador de histórias nato (fato até então conhecido somente por seus amigos e parentes), resolveu dedicar-se também à literatura. Desde aquela data, não parou mais de escrever diariamente, tendo produzido um livro de contos “autobiográficos-delirantes” denominado “O Navio sob os Telhados”; um livro de poemas., um gracioso “Sonetos da Sertaneja¨”, um livro de estórias sertanejas em prosa, que ele chamou “Contos do Sertão”, todos inéditos, por serem recentes, e ainda não submetidos à editoras.. Mas considera publicado um livro de estórias em versos rimados, que realmente invadem o terreno da poesia, chamado ROMANCES DE CORDEL, que ele divulga em forma de folhetos ilustrados por ele mesmo, no estilo das xilogravuras populares do Nordeste.<br />
A qualidade dos textos e das ilustrações vem notabilizando esse trabalho. O autor conseguiu uma grande homogeneidade de qualidade nos 100 poemas narrativos (até o momento), cujas estórias originais, de sua imaginação, revelam uma extraordinária fluência de inspiração, com linguagem, espírito e ambiência autenticamente sertanejos, sobre o fundo da caatinga nordestina, em plena seca. Trata-se de um fenômeno, pois o autor é paulistano, dos Jardins, sem ascendentes nordestinos, nascido e criado, como ele diz, “à beira da rua Augusta, esse “rio inglório”... <br />
O poeta atribui esse “surto” tardio de inspiração sertaneja à experiência de uma expedição de sete dias realizada em 1970, pelo sertão de Pernambuco e Paraíba, numa perua cujo motorista que o convidou, tinha sido contratado para recolher mestres violeiros e repentistas, para conduzi-los até um grande congresso desses virtuoses que seria realizado em Campina Grande, na Paraíba. Guilherme conta essa estória, de maneira mítica, como “a viagem da procura do Pavão Misterioso”. Trinta anos depois, essa experiência única, decantando-se no espírito do poeta, e cristalizando-se, produziria o nascimento deste cordelista inusitado, cujos poemas, extremamente profundos, originais e belos, freqüentemente trágicos, mas ao mesmo tempo de grande lirismo, contendo também momentos de muito humor, poderíamos chamar de pequenas obras-primas.<br />
O autor ainda teve a excelente idéia de reuni-los numa atraente caixinha de madeira, com título e ilustração na tampa, e original fecho de cadarço de couro, evocando os dos gibões dos vaqueiros; que ele, ironicamente denominou “Kit Cordel”, objeto que vem encantando as pessoas que o conhecem, podendo-se dizer que trata-se já de um novo sucesso do pintor e poeta. Essa obra foi adquirida já pela Biblioteca do Congresso em Washington, a maior e mais importante biblioteca do mundo, e por bibliotecas de universidades americanas, como a New Mexico University Library , USA., entre outras. (Vide “New Aquisitions List “ June 2005, Guilherme de Faria, Romances de Cordel), no Google. <br />
(Texto de A. W.)Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-85761026681018231332012-01-02T16:18:00.000-08:002015-02-19T14:58:01.327-08:00ROMANCE DA LOUCA (Cordel de Guilherme de Faria)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgA7vygBm5PDcyMzZuwIqo103Vz2-JTorPo1x2V-rOwLKMtnf1K3rH5S0Er05lkIB51a7OzV31YM5eZaovyIok92h_8tEc7eTW1ciW2uv-n5PrgkCkdV_tOPyAMUggAROAWfIU9iATFpd8/s1600/Romance+da+Louca.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgA7vygBm5PDcyMzZuwIqo103Vz2-JTorPo1x2V-rOwLKMtnf1K3rH5S0Er05lkIB51a7OzV31YM5eZaovyIok92h_8tEc7eTW1ciW2uv-n5PrgkCkdV_tOPyAMUggAROAWfIU9iATFpd8/s400/Romance+da+Louca.jpg" height="400" width="380" /></a></div>
<b>ROMANCE DA LOUCA</b><br />
<i> (Cordel de Guilherme de Faria)</i><br />
<br />
<br />
1<br />
Aquietem-se corações<br />
E mentes, pra acompanhar<br />
A estória e as emoções<br />
Que agora passo a contar.<br />
<br />
2<br />
Sou viajante e poeta,<br />
Andando aí a esmo,<br />
Mas não sou nenhum asceta,<br />
Como muito, com torresmo.<br />
<br />
3<br />
Às vezes em casa de pobre<br />
Outras também na de rico;<br />
Novela de horário nobre,<br />
Metrô na hora de pico... <br />
<br />
4<br />
Vou colhendo meu acervo<br />
Na boca mesma do povo,<br />
Alguma vez dou no nervo,<br />
Percebo ser um estorvo.<br />
<br />
5<br />
Mas nessa minha andança<br />
Fui bater um dia, à toa,<br />
Numa casa em vizinhança<br />
Dessa que não destoa,<br />
<br />
6<br />
Gente humilde e comum<br />
Mas vista na redondeza<br />
Como de fosse algum<br />
Refúgio de alta nobreza.<br />
<br />
7<br />
Percebi desde o começo<br />
Sua fidalga maneira,<br />
A fala sem um tropeço<br />
De quem sequer vai à feira.<br />
<br />
8<br />
Mas o que mais me causou<br />
Estranheza, foi a espera<br />
Por alguém que não chegou<br />
Senão quando a ceia já era:<br />
<br />
9<br />
Jovem mulher de uns vinte<br />
Que saiu de um quarto ali<br />
Vestida até com requinte<br />
Num passo que nunca vi.<br />
<br />
10<br />
Dirigiu-se à janela<br />
Com olhar quase febril<br />
Consultando através dela<br />
A lua primaveril.<br />
<br />
11<br />
Depois de um longo suspiro<br />
Sem sorrir, voltou pra dentro,<br />
Seu passo como um respiro,<br />
Seu espaço como um centro.<br />
<br />
12<br />
A matriarca então pediu<br />
Logo a minha licença<br />
E depressa a seguiu<br />
Saindo da minha presença.<br />
<br />
13<br />
Depois de um longo serão<br />
Em que não pude cantar<br />
Pois não havia canção<br />
Que então viesse a calhar<br />
<br />
14<br />
E nem "deixa" para um causo<br />
Pois o clima era de espera,<br />
De suspense e não descauso,<br />
De palácio e não tapera.<br />
<br />
15<br />
Fui afinal conduzido <br />
Para um quarto c'uma vela,<br />
Muito limpo e produzido<br />
Como se fosse uma cela.<br />
<br />
16<br />
De convento ou monastério,<br />
Já com a vista turvada,<br />
Promessa de refrigério<br />
Para a alma perturbada.<br />
<br />
17<br />
O sono não foi dos bons<br />
Cercado que estava ali<br />
De uma suíte de sons,<br />
Alguns que eu nunca ouvi.<br />
<br />
18<br />
Até que lá pelas três,<br />
A julgar por certo galo<br />
Que cantou sem intervalo<br />
Inconformado, talvez,<br />
<br />
19<br />
Percebi de novo o passo<br />
Macio e deslizante<br />
Da moça cujo compasso<br />
Era frio e preocupante.<br />
<br />
20<br />
Então ouvi um gemido<br />
E o lamento lá do fundo<br />
De um ser talvez ferido<br />
De uma dor que era do Mundo,<br />
<br />
21<br />
Logo seguido de um canto<br />
Triste como um cantochão,<br />
Pavana ou acalanto<br />
Para um defunto no chão.<br />
<br />
22<br />
E dessa infanta funérea<br />
Eu olhava pela fresta<br />
Não mais a presença etérea<br />
Mas um peso em sua testa<br />
<br />
23<br />
Que inclinada para o chão<br />
Soluçava de dar dó<br />
(sugerindo a tal canção<br />
Qual no pescoço uma mó.<br />
<br />
24<br />
Pois naquela madrugada,<br />
Ai dela! foi encontrada<br />
No ribeirão afogada,<br />
Por grande pedra ancorada.<br />
<br />
25<br />
E eu que não pude nada,<br />
A não ser testemunhar<br />
Uma tragédia lascada,<br />
Saí dali sem falar.<br />
<br />
26<br />
Foi a única noitada<br />
Esta que lhes contei<br />
Em toda a minha jornada<br />
Em que nem sequer cantei.<br />
<br />
27<br />
Mas ainda ouço o canto<br />
Por dentro, que não o meu,<br />
A dor de amor e o encanto<br />
De um ser que em vida morreu<br />
<br />
18<br />
Vivendo sua própria morte <br />
A cada noite tão longa,<br />
Em que o destino, a má sorte<br />
A hora estira, prolonga<br />
<br />
29<br />
<br />
Na espera eterna do amor<br />
(e talvez não tenha paz<br />
em sua morte, jamais)<br />
Ó sorte, ó sina, ó horror!...<br />
<br />
FIM<br />
<br />
27/11/2004Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-90687772745515785272011-04-05T08:05:00.000-07:002011-04-05T08:06:58.498-07:00<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjO1we2CO5fJAi9f_A14KYjc5doU1YIzUy93A_KUGyw5E00-mOrZxac6rfRrhToVqElr_djdrWhBou3wmk92KCQo91by0OkyKyPnGwkBeRuW_yyrgJvaFCdXepiyULSFex2Jy3tVj0M8co/s1600/Capa+do+Romance+do+Mo%25C3%25A7o+Guei.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 288px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjO1we2CO5fJAi9f_A14KYjc5doU1YIzUy93A_KUGyw5E00-mOrZxac6rfRrhToVqElr_djdrWhBou3wmk92KCQo91by0OkyKyPnGwkBeRuW_yyrgJvaFCdXepiyULSFex2Jy3tVj0M8co/s400/Capa+do+Romance+do+Mo%25C3%25A7o+Guei.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5592116097649730274" /></a><br /><em>Capa do folheto com xilo do autor</em><br /><br />ROMANCE DO MOÇO GUEI<br /><br />(cordel de Guilherme de Faria)<br /><br />1<br />Abram-se as cortinas<br />Deixem eu passar o som;<br />Alô, alô minhas meninas<br />Vai começar a função!<br /><br />2<br />Mulher bonita não paga<br />Senta aqui na coxia<br />Após o show se houver vaga<br />Iremos pra hospedaria.<br /><br />3<br />Sou um contador de estória<br />Mas chegado em putaria;<br />Contar causo é minha glória,<br />Mulherada é minha alegria.<br /><br />4<br />Já andei por esse mundo,<br />De teatro em carroção,<br />Circo, barco, caminhão.<br />Trem de ferro e trem imundo.<br /><br />5<br />Me apresento aonde quer<br />Que haja um pedaço de pão;<br />Serve um beijo de mulher<br />Serve um gole e uma canção.<br /><br />6<br />Qualquer das coisas gostosas<br />Podem ser a minha paga.<br />Em troca eu faço glosas<br />Que o povo de rir se caga.<br /><br />7<br />Vou contar pra divertir<br />Um causo bem verdadeiro<br />Que embora faça rir<br />Mexeu com meu ser, inteiro.<br /><br />8<br />Foi num circo em que andei,<br />O mais mambembe eleito,<br />Mas que tinha um moço guei<br />Que era um ser quase perfeito.<br /><br /><br />9<br />Sua beleza feminina<br />Era maior que a delas,<br />A cintura muito fina,<br />Ancas redondas e belas.<br /><br />10<br />Seios como alabastros<br />Que brilhavam como astros<br />Quando naquele fio bambo<br />Desnudava em pleno mambo.<br /><br />11<br />Que pernas, que maravilha!<br />E os pesinhos, então?<br />Pele que sente a ervilha<br />Debaixo de um colchão...<br /><br />12<br />Esse moço, eu confesso,<br />Por ele me apaixonei,<br />Mas fiquei meio possesso,<br />Que não o sabia guei.<br /><br />13<br />Eu acreditara tanto <br />No seu dom de transformar!<br />Sua mágica, meu espanto,<br />Era a mulher imitar<br /><br />14<br />Mas com tanta perfeição<br />Que sendo ele um poeta<br />Transcendera a imitação<br />E ultrapassara sua meta<br /><br />15<br />Criando o mais belo ser<br />Que eu já vira até então,<br />Estragando o meu ver<br />Das mulheres como são.<br /><br />16<br />Agora vejam, amigos,<br />Que triste situação:<br />Meus amores mais antigos<br />Caíram, foram ao chão.<br /><br />17<br />Nada pude comparar<br />Com aquele moço guei,<br />Que era princesa, ou rei,<br />Não saberão sem corar.<br /><br />18<br />Pois ele ou ela me amou<br />Igualmente consternado;<br />Não sabia quem ficou<br />Realmente apaixonado: <br /><br />19<br />A mulher que vi primeiro<br />Ou o guei que transformou<br />A vida num picadeiro<br />E meu coração encantou.<br /><br />20<br />Não vou contar o desfecho,<br />Que não tenho intimidade,<br />Nem tampouco tal desleixo<br />Com a platéia da cidade.<br /><br />21<br />Mas asseguro, amigas,<br />Que embora eu ame a mulher<br />Eu vi algo, vi um ser<br />Que ultrapassou as antigas,<br /><br />22<br />Aquelas mulheres das fitas<br />Ou de quadros de museu,<br />Que eram mais que bonitas:<br />Faziam crer um ateu. <br /><br />23<br />Eu soube então, acredito,<br />Que aquele ser bendito <br />Era o tal “Hermafrodito”<br />Que já houvera no Egito<br /><br />24<br />Ou na Grécia, tanto faz<br />Numa Era de Paz<br />Antes do deus guerreiro<br />Rachá-lo ao meio inteiro.<br /><br />25<br />Por isso, peço licença,<br />Que hoje não tem função<br />Vou pro “Hotel Regença”<br />Depois volto à gozação...<br /><br />FIM<br /><br />06/03/2005Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-35964686354673342532010-12-20T11:06:00.000-08:002010-12-20T11:11:11.979-08:00Luz eu tô chegando..Para o Ju Corte Real, que me desejou LUZ PAZ AMOR: <br /><br /><br />Luz eu tô chegando, Paz tô quase, Amor me sobra...<br />Só falta o comerciante que em mim cobra<br />A ausência absoluta e lamentável,<br />Pois sempre achei indigna da Obra<br />Sujá-la com o carimbo de "Rentável"...<br />Mas se o coração está feliz<br />E se por pobretão ainda passo<br />Que importa ao mundo meu fracasso?<br />E isso é o meu sucesso quem o diz...<br /><br />(Guilherme de Faria, ele mesmo)Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-26607837615750509382010-12-19T05:22:00.000-08:002016-10-20T12:24:24.457-07:00Romance da Moça do Ramalhete (de Guilherme de Faria)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgH86dZCB5YWOP3Aw2Ms67EcdTXFas0zLhJZTS7rxzsHF0XBHuIm6MXoTGV484S3lEc1OO5pAG1y1akdpVVhf-0kM85ZZSglLHH_J0tLM2nN7CLqjqclo_dasUnjmBL2sm0vEHhl9d-LBo/s1600/Romance+da+Mo%25C3%25A7a+do+Ramalhete.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgH86dZCB5YWOP3Aw2Ms67EcdTXFas0zLhJZTS7rxzsHF0XBHuIm6MXoTGV484S3lEc1OO5pAG1y1akdpVVhf-0kM85ZZSglLHH_J0tLM2nN7CLqjqclo_dasUnjmBL2sm0vEHhl9d-LBo/s400/Romance+da+Mo%25C3%25A7a+do+Ramalhete.jpg" width="278" /></a></div>
<strong>Romance da Moça do Ramalhete</strong>)<br />
<i>(cordel de Guilherme de Faria)</i><br />
<br />
1<br />
Seu dotô, num tá lembrado?<br />
Então deixa que lhe alembro<br />
Foi aqui neste prado<br />
No começo de Setembro<br />
<br />
2<br />
Esse campo de trigo <br />
Parecia um tapete<br />
E havia junto comigo<br />
A moça do ramalhete.<br />
<br />
3<br />
O doutor se lembra agora? ..<br />
Eu trazia o violão <br />
Que comigo colabora<br />
Mas até parece que não...<br />
<br />
4<br />
Eu cantava para a moça <br />
Que afinal era minha noiva<br />
Que parecia uma louça,<br />
Fiz uma xilo c’o a goiva,<br />
<br />
5 <br />
Tá aqui, ó, tá vista?<br />
Esse é o retrato dela.<br />
Tá meio tosco e revela <br />
O bronco do retratista.<br />
<br />
<br />
6<br />
Mas o ramalhete, o tal<br />
Num pode ter esquecido<br />
Pois noiva de capiau<br />
Sem a flor num tem sentido <br />
<br />
7<br />
Depois daquele manhã <br />
Nesta mesma colina<br />
A louça que era louçã<br />
Nem era a mesma menina.<br />
<br />
8<br />
Suspirava, tava vaga<br />
E tinha um olhar suspeito<br />
Colocando a mão no peito<br />
Enquanto nóis cavalgava.<br />
<br />
9<br />
E foi que um dia sumiu <br />
Na véspera do casório<br />
E eu de calça e suspensório<br />
Perguntava se alguém viu.<br />
<br />
10<br />
Uma semana passada<br />
Voltou e já num era ela<br />
Tava meio amarela <br />
Quer dizê, envergonhada.<br />
<br />
<br />
11 <br />
Num me deu explicação<br />
Mas ainda suspirava<br />
E cantava uma canção<br />
De moça que se afogava.<br />
<br />
12<br />
Ninguém esperava tanto<br />
A gente só esperava <br />
Passar aquele canto,<br />
A dor que aquilo passava.<br />
<br />
13<br />
Mas ela sumiu de novo <br />
Para só ser encontrada <br />
Por um esforço do povo<br />
De bater essa chapada<br />
<br />
14<br />
E encontrar ela no poço<br />
Toda de branco vestida<br />
Boiando como um destroço<br />
E com a vida perdida.<br />
<br />
15<br />
Perdi o rumo então<br />
Nem esperei o enterro<br />
E pus o pé no estradão,<br />
Miseráve como um perro.<br />
<br />
16<br />
E depois de errar um tanto<br />
Lembrei do encontro fortuito<br />
Que começou a vir muito<br />
Nos sonhos pra meu espanto.<br />
<br />
17<br />
Então pra mim se fez luz<br />
Na escuridão mardita <br />
Mas lume que não conduz<br />
Senão pra maior desdita.<br />
<br />
18<br />
E agora doutor me diga<br />
O que fez da minha amiga<br />
Que sortilégios usô,<br />
Como foi que a enfeitiçô?<br />
<br />
19<br />
Mas num importa de fato <br />
Sei que é home bonito<br />
Só fumando nesse pito<br />
Que nem tem cheiro de mato.<br />
<br />
20<br />
Vou então direto ao ponto<br />
Traga padrinho e pistola<br />
O meu é a minha viola<br />
Dez passos dois tiro e pronto.<br />
<br />
21<br />
Nem sei se o dotô é culpado<br />
Talvez de fato nem seja<br />
Mas agora, mire e veja<br />
Já faz parte do meu fado<br />
<br />
22<br />
E se não lhe tiro do sonho<br />
Vai virar o meu demônio<br />
E sairei do tristonho <br />
Para um novo matrimônio:<br />
<br />
23<br />
O da loucura brabeira <br />
Por isso prefiro o momento<br />
De ficar como a peneira<br />
Presente de casamento.<br />
<br />
24<br />
E se é bravata, tá feita<br />
Num aceito um não de troco<br />
Que me faz uma desfeita<br />
Se num me trocá pipoco.<br />
<br />
25<br />
Já fiz o meu testamento<br />
A viola e o ramalhete<br />
Que deixo ao mundo e ao vento,<br />
Tá escrito num bilhete.<br />
<br />
26<br />
E faço testamenteiro<br />
Ao homem que me matar<br />
Pra lhe dar o que pensar<br />
Mesmo se sair inteiro.<br />
<br />
27<br />
E agora seu moço bonito<br />
Vamo deixá de conversa<br />
Pois quem muito tegiversa<br />
Cai na mentira ou no mito.<br />
<br />
28<br />
Lhe espero nesta colina <br />
Enquanto o dotô vai buscá<br />
Na memória a tal menina <br />
Que de amor fez afogá... <br />
<br />
FIM<br />
<br />
19/12/2010Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-9073896187323866362010-10-18T08:07:00.000-07:002010-10-18T08:08:27.423-07:00Sobre o poeta de Cordel GUILHERME DE FARIAGUILHERME DE FARIA é artista plástico profissional desde 1962, vivendo exclusivamente de sua arte desde então, com mais de 43 anos de carreira ininterrupta, dedicados à pintura, ao desenho e à gravura. Tendo realizado centenas de exposições individuais e coletivas, no Brasil e no exterior, suas obras, que se distribuem em diversas fases, estão presentes em grandes coleções particulares , nacionais e estrangeiras, e em alguns museus brasileiros importantes como MAM, o MASP, e o Museu de Arte Brasileira da FAAP.<br /> A partir de Julho de 2001, Guilherme, sabendo-se um contador de histórias nato (fato até então conhecido somente por seus amigos e parentes), resolveu dedicar-se também à literatura. Desde aquela data, não parou mais de escrever diariamente, tendo produzido um livro de contos “autobiográficos-delirantes” denominado “O Navio sob os Telhados”; um livro de poemas., um gracioso “Sonetos da Sertaneja¨”, um livro de estórias sertanejas em prosa, que ele chamou “Contos do Sertão”, todos inéditos, por serem recentes, e ainda não submetidos à editoras.. Mas considera publicado um livro de estórias em versos rimados, que realmente invadem o terreno da poesia, chamado ROMANCES DE CORDEL, que ele divulga em forma de folhetos ilustrados por ele mesmo, no estilo das xilogravuras populares do Nordeste.<br /> A qualidade dos textos e das ilustrações vem notabilizando esse trabalho. O autor conseguiu uma grande homogeneidade de qualidade nos 100 poemas narrativos (até o momento), cujas estórias originais, de sua imaginação, revelam uma extraordinária fluência de inspiração, com linguagem, espírito e ambiência autenticamente sertanejos, sobre o fundo da caatinga nordestina, em plena seca. Trata-se de um fenômeno, pois o autor é paulistano, dos Jardins, sem ascendentes nordestinos, nascido e criado, como ele diz, “à beira da rua Augusta, esse “rio inglório”... <br /> O poeta atribui esse “surto” tardio de inspiração sertaneja à experiência de uma expedição de sete dias realizada em 1970, pelo sertão de Pernambuco e Paraíba, numa perua cujo motorista que o convidou, tinha sido contratado para recolher mestres violeiros e repentistas, para conduzi-los até um grande congresso desses virtuoses que seria realizado em Campina Grande, na Paraíba. Guilherme conta essa estória, de maneira mítica, como “a viagem da procura do Pavão Misterioso”. Trinta anos depois, essa experiência única, decantando-se no espírito do poeta, e cristalizando-se, produziria o nascimento deste cordelista inusitado, cujos poemas, extremamente profundos, originais e belos, freqüentemente trágicos, mas ao mesmo tempo de grande lirismo, contendo também momentos de muito humor, poderíamos chamar de pequenas obras-primas.<br /> O autor ainda teve a excelente idéia de reuni-los numa atraente caixinha de madeira, com título e ilustração na tampa, e original fecho de cadarço de couro, evocando os dos gibões dos vaqueiros; que ele, ironicamente denominou “Kit Cordel”, objeto que vem encantando as pessoas que o conhecem, podendo-se dizer que trata-se já de um novo sucesso do pintor e poeta. Essa obra foi adquirida já pela Biblioteca do Congresso em Washington, a maior e mais importante biblioteca do mundo, e por bibliotecas de universidades americanas, como a New Mexico University Library , USA., entre outras. (Vide “New Aquisitions List “ June 2005, Guilherme de Faria, Romances de Cordel), no Google. <br />(Texto de A. W.)Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-42750222528666591682010-01-24T03:15:00.001-08:002012-03-18T03:20:32.533-07:00ROMANCE DA VIDÊNCIA (Cordel de Guilherme de Faria)<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj44BKodgsoRpcqkGfqOmgO6AtWAaNu9mvaEYz6sKBnumqeD1SzHRMKJvso7E9JUh2OzDXHSFyRs4RDwd649kvtnWxbIZC8Szd3H3jpmQuDASDtscagDhoOz60-3DnxnKjFwtY0TMQC8LY/s1600-h/Vid%C3%AAncia+IV.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 245px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj44BKodgsoRpcqkGfqOmgO6AtWAaNu9mvaEYz6sKBnumqeD1SzHRMKJvso7E9JUh2OzDXHSFyRs4RDwd649kvtnWxbIZC8Szd3H3jpmQuDASDtscagDhoOz60-3DnxnKjFwtY0TMQC8LY/s400/Vid%C3%AAncia+IV.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5430264271896961090" /></a><br />
<br />
<br />
<strong>Romance da Vidência <br />
(Cordel de Guilherme de Faria)</strong><br />
<br />
<br />
1<br />
Preparem a sua emoção<br />
Para um caso do Destino<br />
Vou usar todo o meu tino<br />
Pra cantar sem violão.<br />
<br />
2<br />
Só preciso achar o tom,<br />
Que a música deste poema<br />
Cria seu próprio sistema <br />
De silêncios e de som.<br />
<br />
3<br />
Havia nesta divisa<br />
Uma cigana arretada<br />
O seu nome era Rafisa<br />
Parecia alumiada.<br />
<br />
4<br />
Tinha o dom da profecia<br />
Mas, cassandra malfadada<br />
Era sempre acreditada<br />
Só depois que acontecia<br />
<br />
5<br />
Aí houve o incidente,<br />
Que chegou no seu terreiro<br />
Um capiau renitente<br />
Que era um pobre ferreiro.<br />
<br />
6<br />
Vinha montado sem sela <br />
E embora fosse cascudo<br />
Era bonito e parrudo<br />
Sem papos nem xurumela.<br />
<br />
7<br />
Rafisa (quase esquecia)<br />
Era um pouco desgrenhada,<br />
Também tinha a latumia <br />
De uma Medusa da estrada.<br />
<br />
8<br />
Quer dizer: era bonita <br />
E até muito faceira<br />
Descontada a cabeleira<br />
E a saia sarapintada.<br />
<br />
9<br />
O matuto desmontou<br />
E tirou o chapéu de couro<br />
Parou um pouco e olhou<br />
Com aqueles olhos de mouro.<br />
<br />
10<br />
“Siá Rafisa, venho vindo<br />
De muito longe, seguindo<br />
A fama de vosmecê,<br />
Queira pois me recebê.<br />
<br />
11<br />
Venho da Pedra Preta<br />
Um raso onde num chove<br />
Desde a noite do cumeta <br />
Que ainda o povo comove.<br />
<br />
12<br />
Mas num vim pedir trovão<br />
Que num é de sua alçada<br />
É lance de coração<br />
Ou de vida amargurada.<br />
<br />
13<br />
Me deixa entrá que lhe esprico<br />
Siá Rafisa, ocê me escuta,<br />
E se falo, não discuta<br />
Que se calo, me comprico.”<br />
<br />
14<br />
Rafisa olhou o matuto<br />
De cima a baixo e botou<br />
A mão no colo e virou<br />
Com aquele ar arguto <br />
<br />
15<br />
E na mesa da cozinha<br />
Sem a bola de cristal<br />
Sentou depois da voltinha<br />
Com seu jeito sensual.<br />
<br />
16<br />
“Como digo a vosmecê<br />
Ando muito agoniado<br />
Duma paixão sem mercê<br />
Por um sonho inalcançado.<br />
<br />
17<br />
Ela se chama Lazinha<br />
E nem sabe que eu existo,<br />
Filha do coroné Xisto<br />
Tar quar uma princesinha.<br />
<br />
18<br />
Quando passa amuntada<br />
Joga moeda no ar<br />
Pra meninada catar<br />
No meio da gritaiada.<br />
<br />
9<br />
Um dia chegou na frágua<br />
Pedindo um pouco de água<br />
Bebeu sem me oiá, pensei,<br />
Ou fui eu que não oiei<br />
<br />
20<br />
A não ser, pro seu pezinho,<br />
Carçado cuma alpercata<br />
Fina, de ouro e prata<br />
Mostrando aqueles dedinho<br />
<br />
21<br />
Que prestei muito sentido,<br />
Para minha perdição<br />
O segundo mais comprido<br />
Que o primeiro, como a mão.<br />
<br />
22<br />
Depois disso, ó minha mágoa,<br />
Só brinca de esconde esconde:<br />
Já não quis mais pedir água<br />
Na casa deste visconde.<br />
<br />
23<br />
Siá Rafisa, me diga<br />
O que faço pra arrancá<br />
Do meu peito essa urtiga,<br />
Pra dessa paixão me livrá?”<br />
<br />
24<br />
A cigana reparou <br />
Nos olhos do capiau<br />
Botou cartas e apontou<br />
Um modesto dois de pau.<br />
<br />
25<br />
“Hóme,” disse a cigana,<br />
“Tá escrito aqui tão claro,<br />
E essa carta não me engana,<br />
Que não vou nem cobrar caro.<br />
<br />
26<br />
A coronelinha vai<br />
Beber água em sua palma<br />
Mas num posso dizer mais<br />
Pelo bem da minha alma.”<br />
<br />
27<br />
O matuto se afastou<br />
Semeado de esperança<br />
E pra sua forja voltou<br />
Terminada a sua andança.<br />
<br />
28<br />
Uma semana passada,<br />
Voltou ele galopando,<br />
Parecendo alma penada,<br />
E chegou logo gritando:<br />
<br />
29<br />
“Siá Rafisa, bota a sorte<br />
Que quero o dia saber<br />
E a hora da minha morte<br />
Para o quanto vou dever<br />
<br />
30<br />
Porque de hoje não passo:<br />
A moça veio beber<br />
Da parma deste palhaço<br />
Mas foi de tanto sofrer<br />
<br />
31<br />
No momento do trespasso.<br />
Caminhou mais de três légua<br />
Sangrando quase sem trégua<br />
Pra vir morrer no meu braço. <br />
<br />
32<br />
Baleada no pulmão <br />
Por um pretendente em mágoa,<br />
Morreu bebendo da água <br />
Da parma da minha mão!”<br />
<br />
FIM<br />
<br />
12/07/2001Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-5833079292349877542010-01-07T10:58:00.000-08:002010-01-18T10:55:58.544-08:00Mundo, mundo, vasto mundo"Mundo, mundo, vasto mundo<br />se eu me chamasse Raimundo"<br />seria só um versinho imundo...<br />Mas como foi o Drummond<br />Todo mundo acha bom.<br /><br />(Guilherme de Faria, rsss)Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-73718081472276561492009-12-15T10:15:00.001-08:002023-11-08T03:06:29.714-08:00Cordel para a Dona Sinhá (de Guilherme de Faria)<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFqZfZYu9GMQvS4RPn4F4Lbi2-Y9oqAoQK83p01x4mnByjWHNNHbfH0j_OoYWsDeIDHvdUrXm9F_036VVrMUCmRB2kQlX2uCXPT6u5El1unVq1sFXQjfQAh5xBtcyHWs7cBtwIiDi4J70/s1600/Dona%252BSinh%2525C3%2525A1.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5595499847152553954" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFqZfZYu9GMQvS4RPn4F4Lbi2-Y9oqAoQK83p01x4mnByjWHNNHbfH0j_OoYWsDeIDHvdUrXm9F_036VVrMUCmRB2kQlX2uCXPT6u5El1unVq1sFXQjfQAh5xBtcyHWs7cBtwIiDi4J70/s400/Dona%252BSinh%2525C3%2525A1.jpg" style="cursor: pointer; display: block; height: 400px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 389px;" /></a><br /><br /><strong>Cordel para a Dona Sinhá (de Guilherme de Faria)</strong><br /> <br /><em> (a partir das lembranças de Eliana Tavares de Mattos,<br /> minha esposa, natural da cidade de Barretos)</em><br /><br />1 <br />Pelos idos dos cinqüenta<br />Na minha saudosa Barretos<br />Tinha eu quase por parenta<br />A Dona Sinhá, sem netos,<br /><br />2 <br />Sem filhos, sem quase nada,<br />Mas que não pude esquecer<br />Os ditos e a gargalhada<br />Que ela tinha a oferecer.<br /><br />3 <br />Ah! Ela tinha um sobrinho<br />Que era escritor também<br />De que me lembro, o Zingo,<br />Mas Dona Sinhá é que vem<br /><br />4<br />Sempre na minha memória<br />Com a sua alegria<br />E cuja singela história<br />Só posso contar em poesia. <br /><br />5<br />Velhinha espirituosa<br />Merece que eu cite agora<br />Sua verve, comum embora,<br />Em contexto... saborosa.<br /><br />6 <br />Se se falava em quireras, <br />Ou conversa fora jogada,<br />Tratava como quimeras:<br />“Nada vez nada... nada!”<br /><br />7<br />Ou se estava complicado<br />A gente explicar o porquê<br />De algum fato inusitado<br />Ela ajudava você<br /><br />8 <br />Dizendo em tom cabal:<br />“Pelos vinte e cinco motivos<br />Não é? Fulano de tal... <br />E começavam os risos.<br /><br />9<br />Se meu pai que era sovina<br />Embora fosse bom homem<br />Nos negava a tubaína,<br />Ela, com um sorriso jovem:<br /><br />10<br />“Tando guardado tá bom!”<br />Não é, querida Eliana ?<br />Dizia alto e bom som,<br />Num humor nada sacana,<br /><br />11<br /> Pois não havia julgamento <br />E sim grande aceitação<br />Pelo outro em seu momento,<br />Do jeito que as coisas são.<br /><br />12<br />Se alguém se achava esperto<br />Mas se fazia de tonto <br />Dizia rindo, de pronto:<br />“Piquitinho dos óio aberto!”<br /><br />13<br />Isso porque ela amava<br />Sobretudo a cachorrada<br />Que em sua casa cuidava<br />Apesar de questionada<br /><br />14<br />Uma vez por seu Américo,<br />O marido num momento<br />Irritado, quase histérico: <br />“Ou eles ou eu, nu’m güento!”<br /><br />15<br />Nos contou, estupefatos,<br />Pois séria ela respostou: <br />“Então... eles, cães e gatos!<br />Disse ao velho... e ele ficou.<br /><br />16 <br />Mas seu Américo também<br />Era figura engraçada<br />Sociável como ninguém,<br />De pijama na calçada <br /><br />17<br />De tardezinha chegado<br />Do trabalho e então banhado<br />Vestia o “fardão” listado,<br />Seu descanso antecipado,<br /><br />18 <br />Na sua cadeira inclinada <br />Em equilíbrio precário <br />Jamais no entanto quebrada,<br />Nesse seu risco diário.<br /><br />19<br />Mas eu era mesmo fã<br />Da velhinha e sua irmã, <br />Dona Inácia, paralítica<br />Santa, mirrada e raquítica<br /><br />20<br />Que pegara, e não é óbvio, <br />O humor sem negação<br />Pelo diário convívio <br />Com esse ser de exceção,<br /><br />21<br />A Dona Sinhá com seus ditos,<br />Lugares comuns da cultura<br />Mas pela experiência benditos<br />De uma alma em sua candura.<br /><br />22 <br />“Deus é pai, não é padrasto”<br />Dizia a torto e a direito,<br />Mas notável era o efeito<br />E nos renovava o cadastro<br /><br />23 <br />Na repartição do Mestre<br />Que às vezes por nosso orgulho<br />De ser sem asa e pedestre,<br />Tratávamos como um entulho.<br /><br />24<br />“Pra se conhecer alguém <br />É preciso comer junto<br />Um "saco de sar" e sem<br />Fazer cara de presunto.”<br /><br />25<br />“Formiguinha é bom pros óio”,<br />Trazendo um bolo dizia,<br />Como um cavalo de “tróio”<br />Mas que a gente bendizia<br /><br /><br />26<br />Porque era tão gostoso<br />Sabendo que mal não fazia.<br />Não como o presente famoso<br />De que a gente nem sabia.<br /><br />27 <br />A velha tinha um cãozinho <br />Que se chamava Martelo<br />E quando um menininho <br />Que se chamava Marcelo<br /><br />28<br />Atropelado foi, confundia<br />(desculpem-na o paralelo) <br />Gritando, e a mim me arrepia:<br />“Foi-se, foi-se o Martelo!"<br /><br />29 <br />E do Zuza, de fama pão-dura, <br />Meu pai, que me dava medo: <br />“Dinheiro é assim, cê segura<br />Por aqui e sai pelos dedo.”<br /><br />30<br />“Cardo de galinha e precaução<br />Nunca fez mal a ninguém”<br />Dizia, fazendo menção<br />Ao perigo rondando alguém.<br /><br />31 <br />E sempre, como a receita<br />De um tesouro verdadeiro,<br />Dizia assim: "Aproveita <br />Que o Bráz é tesoureiro." <br /><br />32 <br />Mas devo também mencionar<br />No fim dessa missa laica<br />A sua cadela Laika<br />Pra a Rússia homenagear. <br /><br />33<br />Esta era a Dona Sinhá<br />Que é ‘tar e quar” que lembro<br />Naquelas tardes de lá <br />Dos dias do meu Setembro...<br /> <br />FIM<br /> <br /> 15/12/2009Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-18285235442531527072009-10-16T07:38:00.001-07:002009-10-16T07:43:45.108-07:00Esta ilustração de abertura do blog é o detalhe de uma xilogravura de Guilherme de Faria , que ilustra o folheto do autor com sua visão pessoal sobre o tema já classico do <strong>Pavão Misterioso</strong> do sertão nordestino. Vide abaixo a ilustração completa:<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrfBGhNaWW2g5S15o8mMT47UuMBSKM2BKzAhpZukc67CVw_OQ00LQFY_ElFTZnGhHQw-TrxXnyMp48_OKIGmugQ1zca859PU1ihoUBi24rxqXEQQxK4tK-scDbQHcVyOZU9xMX7Z_G3gM/s1600-h/AAAaabbbcc.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrfBGhNaWW2g5S15o8mMT47UuMBSKM2BKzAhpZukc67CVw_OQ00LQFY_ElFTZnGhHQw-TrxXnyMp48_OKIGmugQ1zca859PU1ihoUBi24rxqXEQQxK4tK-scDbQHcVyOZU9xMX7Z_G3gM/s320/AAAaabbbcc.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5160206859736000642" /></a><br />e o detalhe:<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiD3UcKuKsyPhm-_9eu63WS6KBl9rGviH12VMTOziV7mpNG-5qejHLmD0bf01FgMqPJJn8vEaXdCAp4rlv5hlP1gdVPkY8TNsYLfaPg7S80H4Hh_9ztgAfARBecKLfm4VwmCCjKJ6h0vdI/s1600-h/Pav%C3%A3o+Misterioso+VI.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiD3UcKuKsyPhm-_9eu63WS6KBl9rGviH12VMTOziV7mpNG-5qejHLmD0bf01FgMqPJJn8vEaXdCAp4rlv5hlP1gdVPkY8TNsYLfaPg7S80H4Hh_9ztgAfARBecKLfm4VwmCCjKJ6h0vdI/s320/Pav%C3%A3o+Misterioso+VI.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5160193420783331378" /></a>Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-69730758620478954872009-09-26T08:50:00.000-07:002009-10-16T07:19:42.586-07:00Versão inglesa do Romance da Vidência<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcWJEHugej_YIULOd6ZdbiJ4LbacjgQhBhpJ9EYgkWv-q5s2cRV0blkWgcpIVM-KeVyTTBgLVCzyPK-0QLpk038rQty3jDv49q6vy9Fipju6gG9A4NxnEyTbGi5cUnoqomK_U_gFJJiOQ/s1600-h/AAAAA+Capa+do+folheto.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 276px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcWJEHugej_YIULOd6ZdbiJ4LbacjgQhBhpJ9EYgkWv-q5s2cRV0blkWgcpIVM-KeVyTTBgLVCzyPK-0QLpk038rQty3jDv49q6vy9Fipju6gG9A4NxnEyTbGi5cUnoqomK_U_gFJJiOQ/s400/AAAAA+Capa+do+folheto.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5385834520940149794" /></a><br /><em>Capa do folheto de cordel Romance da Vidência, com xilogravura de Guilherme de Faria</em><br /><br />Em homenagem a uma interessante senhora de meia-idade americana (de quem não me lembro o nome) e que conheci numa loja de arte de amigas minhas na rua Augusta, e que tendo se declarado entusiasta da arte popular brasileira e colecionadora de folhetos de cordel nordestinos (seria ela uma " brasilianist"?) recebeu de mim de presente um exemplar deste <strong>Romance da Vidência</strong>, publico aqui esta minha tentativa de versão para o idioma inglês, desse cordel que é considerado por muitos como a minha obra-prima. Perdoem-me os conhecedores da língua de Shakespeare os eventuais erros e impropriedades que possa ter cometido. Reconheçam, se possível, o esforço requerido nesta empreitada: verter para um outro idioma que nem sequer domino sem dicionário, com métrica e rima o meu próprio original. Notem que para manter métrica e rima sem trair a essência do poema, eu tive que recorrer a uma "transliteração" criativa. O resultado pode ter ficado parecido com uma balada irlandesa, mas a ideía é justamente essa, encontrar uma equivalência ou aproximação de espírito popular entre as duas culturas: a nordestina brasileira e a celta.<br /><br />(e.mail de contato: guilhermedefaria@gmail.com) <br /><br /><strong>Divination Cordel</strong><br /><br />(<strong>by Guilherme de Faria, from Brazil, translated from the portuguese by the author)</strong><br /><br /><br />1<br />Behold, o might emotion,<br />To an odd folk tale!<br />(I’d rather sing and sail<br />On a clear slow motion...)<br /><br />2<br />I only need a sound<br />To beguin my chants.<br />Give a penny or a pound<br />It certainly enchants.<br /><br />3<br />Once upon a time<br />Was a gipsy or “gitan”<br />And not only for the rhyme<br />She was not a puritan.<br /><br />4<br />Rafeesa was her name<br />An she had a bad fate,<br />But she never had the blame,<br />She was not a being of Hate.<br /><br />5<br />She’d power of divination,<br />But unfortunate Cassandra,<br />Misbelieved by her nation<br />As if she was a “salamandra”.<br /><br />6<br />Than it happened one day<br />That arrived an ironsmith<br />From a place far away,<br />That had heard about her Mith.<br /><br />7<br />He was but a horse fly<br />And although being dirty <br />Was a handsome guy<br />That was only about thirty.<br /><br />8<br />Rafeesa (almost forgot)<br />Had a fame of very hot<br />Since guys were affected<br />By her graceful aspect.<br /><br /><br />9<br />But this man of small future<br />Took off his hat of leather,<br />He stood and looked better<br />With those eyes of moor.<br /><br />10<br />“Eh laho, Lady Raffesa,<br />I came from far away<br />Searching a smile of Monalisa<br />Since the "Ides of May”.<br /><br />11<br />“I came from Blakstone,<br />A county where never rains<br />Since the night of the stone<br />That felt on the plains”.<br /><br />12<br />“Let me speak, you’ll understand,<br />Lady Feesa, hear these guy,<br />When I talk, don’t contend,<br />If I stop my mind will fly”.<br /><br />13<br />So Raffesa looked at the man<br />From his head to his feet,<br />Shook her hand like a fan<br />And not like when we meet.<br /><br /><br />14<br />And sat on her favorite chair<br />Without the crystal ball<br />As she only need some air<br />And had not some help to call.<br /><br />15<br /><br />“I’ll tell you my intension:<br />I’m very, very distressed<br />By a tormented passion<br />Of a dream I’ve no access”.<br /><br />16<br />“She is called Lisamel<br />And not even knows I exist, <br />With her admirers in a list<br />Her father is a colonel”.<br /><br />17<br />“When she passes by on riding<br />Throws lots of coins in the hall<br />To the kids running and finding<br />In the middle of their howl”.<br /><br />18<br />“She stops at the furnace<br />Asking for a cup of water,<br />And she drinks, o pretty face!,<br />Without looking to this brother”.<br /><br />19<br />“And I stay seeing her shoes<br />That is really a golden sandal<br />Showing those little toes<br />With the second larger: scandal!”<br /><br />20<br />“After than, O sorrow of mine!<br />She would never ask my aid.<br />She did not want the wine<br />I provide to my maid!"<br /><br />21<br />Rafeesa fixed those eyes<br />And quickly laid down the cards,<br />Than signed the one that lies <br />Although surely she retards.<br /><br />23<br />“Man”-said Lady gitan-<br />“Its written here so clear<br />That the fate is already done<br />And you must have no fear”.<br /><br />24<br /> “Vessel maid comes to shore.”<br />“Soon she’ll drink on your palm<br />But I can’t say no more<br />So you can just be calm.” <br /><br /><br />25<br />The ironsmith moved away<br />Sowed of much a hope,<br />Taking back soon his way<br />To his "Forgery & Masterstroke".<br /><br />26<br />Passed by only a week<br />He came back in a gallop<br />Like a soul lost and weak,<br />With his anguish in the top.<br /><br />27<br />“ Lady Feesa, show me please,<br />My cards, to know, and soon<br />The sure day I will decease<br />Cause I’ll not see this moon.”<br /><br />28<br />“I’ll pay back the offsetting<br />Cause my maid saw my palm<br />Drinking water in my setting,<br />But in agony, without a salm.”<br /><br />30<br />“In the timing of her death<br />She rode many a yard<br />To finally find the rest<br />In the face of her card.”<br /><br /><br />31<br />“Shoot down in her breast<br />By a pretender in sorrow,<br />She drunk with no tomorrow<br />In my palm... at last!” <br /><br />THE END<br /><br /><br /><br /><br /><strong>Romance da Vidência </strong><br />(Cordel de Guilherme de Faria)<br /><br /><br />1<br />Preparem a sua emoção<br />Para um caso do Destino<br />Vou usar todo o meu tino<br />Pra cantar sem violão.<br /><br />2<br />Só preciso achar o tom,<br />Que a música deste poema<br />Cria seu próprio sistema <br />De silêncios e de som.<br /><br />3<br />Havia nesta divisa<br />Uma cigana arretada<br />O seu nome era Rafisa<br />Parecia alumiada.<br /><br />4<br />Tinha o dom da profecia<br />Mas, cassandra malfadada<br />Era sempre acreditada<br />Só depois que acontecia<br /><br />5<br />Aí houve o incidente,<br />Que chegou no seu terreiro<br />Um capiau renitente<br />Que era um pobre ferreiro.<br /><br />6<br />Vinha montado sem sela <br />E embora fosse cascudo<br />Era bonito e parrudo<br />Sem papos nem xurumela.<br /><br />7<br />Rafisa (quase esquecia)<br />Era um pouco desgrenhada,<br />Também tinha a latumia <br />De uma Medusa da estrada.<br /><br />8<br />Quer dizer: era bonita <br />E até muito faceira<br />Descontada a cabeleira<br />E a saia sarapintada.<br /><br />9<br />O matuto desmontou<br />E tirou o chapéu de couro<br />Parou um pouco e olhou<br />Com aqueles olhos de mouro.<br /><br />10<br />“Siá Rafisa, venho vindo<br />De muito longe, seguindo<br />A fama de vosmecê,<br />Queira pois me recebê.<br /><br />11<br />Venho da Pedra Preta<br />Um raso onde num chove<br />Desde a noite do cumeta <br />Que ainda o povo comove.<br /><br />12<br />Mas num vim pedir trovão<br />Que num é de sua alçada<br />É lance de coração<br />Ou de vida amargurada.<br /><br />13<br />Me deixa entrá que lhe esprico<br />Siá Rafisa, ocê me escuta,<br />E se falo, não discuta<br />Que se calo, me comprico.”<br /><br />14<br />Rafisa olhou o matuto<br />De cima a baixo e botou<br />A mão no colo e virou<br />Com aquele ar arguto <br /><br />15<br />E na mesa da cozinha<br />Sem a bola de cristal<br />Sentou depois da voltinha<br />Com seu jeito sensual.<br /><br />16<br />“Como digo a vosmecê<br />Ando muito agoniado<br />Duma paixão sem mercê<br />Por um sonho inalcançado.<br /><br />17<br />Ela se chama Lazinha<br />E nem sabe que eu existo,<br />Filha do coroné Xisto<br />Tar quar uma princesinha.<br /><br />18<br />Quando passa amuntada<br />Joga moeda no ar<br />Pra meninada catar<br />No meio da gritaiada.<br /><br />9<br />Um dia chegou na frágua<br />Pedindo um pouco de água<br />Bebeu sem me oiá, pensei,<br />Ou fui eu que não oiei<br /><br />20<br />A não ser, pro seu pezinho,<br />Carçado cuma alpercata<br />Fina, de ouro e prata<br />Mostrando aqueles dedinho<br /><br />21<br />Que prestei muito sentido,<br />Para minha perdição<br />O segundo mais comprido<br />Que o primeiro, como a mão.<br /><br />22<br />Depois disso, ó minha mágoa,<br />Só brinca de esconde esconde:<br />Já não quis mais pedir água<br />Na casa deste visconde.<br /><br />23<br />Siá Rafisa, me diga<br />O que faço pra arrancá<br />Do meu peito essa urtiga,<br />Pra dessa paixão me livrá?”<br /><br />24<br />A cigana reparou <br />Nos olhos do capiau<br />Botou cartas e apontou<br />Um modesto dois de pau.<br /><br />25<br />“Hóme,” disse a cigana,<br />“Tá escrito aqui tão claro,<br />E essa carta não me engana,<br />Que não vou nem cobrar caro.<br /><br />26<br />A coronelinha vai<br />Beber água em sua palma<br />Mas num posso dizer mais<br />Pelo bem da minha alma.”<br /><br />27<br />O matuto se afastou<br />Semeado de esperança<br />E pra sua forja voltou<br />Terminada a sua andança.<br /><br />28<br />Uma semana passada,<br />Voltou ele galopando,<br />Parecendo alma penada,<br />E chegou logo gritando:<br /><br />29<br />“Siá Rafisa, bota a sorte<br />Que quero o dia saber<br />E a hora da minha morte<br />Para o quanto vou dever<br /><br />30<br />Porque de hoje não passo:<br />A moça veio beber<br />Da parma deste palhaço<br />Mas foi de tanto sofrer<br /><br />31<br />No momento do trespasso.<br />Caminhou mais de três légua<br />Sangrando quase sem trégua<br />Pra vir morrer no meu braço. <br /><br />32<br />Baleada no pulmão <br />Por um pretendente em mágoa,<br />Morreu bebendo da água <br />Da parma da minha mão!”<br /><br />FIM<br /><br />12/07/2001Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-49939385227073954282009-06-12T21:54:00.000-07:002011-05-06T05:18:15.941-07:00Soneto português de devoção (de Guilherme de Faria)<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1FW2nCMSQS0-2F8Iz9-MsTdziB08l3Cl_moqs6iQdXoZMQqXqcR8s5QG_mBT8TCa64l7JzvF_IkXZXRE38X2H-TKmtV8Oi-9vyH0iYxPvKVH-WSGho-L3gEcUYH7Nr69toigUqf4udlQ/s1600/joana-d-arc.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 303px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1FW2nCMSQS0-2F8Iz9-MsTdziB08l3Cl_moqs6iQdXoZMQqXqcR8s5QG_mBT8TCa64l7JzvF_IkXZXRE38X2H-TKmtV8Oi-9vyH0iYxPvKVH-WSGho-L3gEcUYH7Nr69toigUqf4udlQ/s400/joana-d-arc.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5603576341738007858" /></a><br /><strong> Para Alma Welt</strong><br /> <br />Apesar de não gostar muito de guerra<br />Por Joana D’Arc tenho grande devoção,<br />Me perdoem os ingleses e a Inglaterra<br />Que queimaram esta guerreira em Ruão.<br /><br />Por outro lado, detestando os alcagüetes<br />Tenho certa pena do infeliz<br />Do escolhido e pobre Iscariotes<br />Que não virou maldito porque quis.<br /><br />Mas uma heroína que me encanta<br />É a Maria, a melhor das Madalenas<br />Que quando puta pra mim já era santa.<br /><br />E entre todos os bons heróis covardes<br />Gosto mais de São Pedro e suas penas<br />De galos triplos, orelhas e quo vadis... <br /><br />12/06/2009<br /><br />*<strong> galos triplos</strong>- alusão ao galo que cantou tres vezes quando São Pedro por covardia renegou o Cristo já aprisionado, quando lhe perguntaram se o conhecia.<br /><strong><br />* orelhas-</strong> alusão ao episódio de <strong>São Pedro </strong>cortando a orelha de um dos soldado que vieram acompanhando os sacerdotes do templo para prender <strong>Cristo</strong> no <strong>Horto das Oliveiras</strong>.<br /><br /> <strong>*... quo vadis</strong>- Para quem não sabe, <strong>Cristo</strong>, depois de morto apareceu na <strong>Via Apia </strong>caminhando em direção a Roma quando <strong>São Pedro </strong>se afastava da cidade por essa estrada a conselho de seus discípulos que estavam sendo presos e martirisados no <strong>Coliseu</strong> a mando de Nero. O apóstolo teria perguntado então ao Cristo: <strong>Quo vadis, Domine?</strong> (Aonde vais, senhor?). E Jesus respondeu: <strong>"Estou indo a Roma para ser novamente crucificado, visto que abandonas meu rebanho"</strong>. Então São Pedro virou-se e voltou à Roma, onde logo nos portões foi preso e em seguida crucificado de cabeça para baixo a seu próprio pedido. Na verdade esta estória não está nos Evangelhos e pertence a uma tradição oral que foi divulgada literariamente pelo polonês <strong>Henrik Sinkiewsky </strong>no seu magnífico romance histórico <strong>Quo Vadis</strong>, transformado em filme por Hollywood nos anos 50, com <strong>Peter Ustinov </strong>no papel de <strong>Nero</strong>. <strong>Alma Welt </strong>amava este romance e escreveu um fascinante soneto (O Quo Vadis da Alma) inspirado no episódio de <strong>Ligia</strong>, a heroína cristã do romance, amarrada nua às costas de um touro, no <strong>Coliseu</strong>, sendo salva pelo gigantesco <strong>Ursus</strong>, seu fiel servidor germânico. Entretanto, temo que explicando tanto eu tenha tirado toda suposta graça do meu soneto (rss)Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-91980581343805063502009-04-30T09:05:00.000-07:002009-04-30T10:11:27.920-07:00Romance do sobrevivente (cordel de Guilherme de Faria)Sou, amigos, paciente,<br />Digo mais: sobrevivente!<br />Escapei de peste vária<br />Como a da gripe aviária;<br />Não fui morar em Angola,<br />Escapei do surto ebola.<br /><br />Driblei a Aids, isso sim,<br />Passei ao largo da dengue,<br />Mas resfriado, ai de mim,<br />Fiquei molinho e perrengue.<br />Continuei vivo contudo<br />E fui passear na Argentina,<br />Fui chamado de "boludo",<br />Vivo à custa de aspirina.<br /><br />Mas dessa gripe suína<br />Na certa estou na mira<br />Minha máscara é muito fina,<br />A do vizinho é melhor<br />Antes que a gripe confira<br />Vou comprar uma maior.<br /><br />Mas, Deus, estamos perdidos<br />Desde a expulsão do Éden<br />Fazendo tudo o que pedem<br />Os locutores sabidos<br />Que inventaram a roda<br />E comandam vida e moda<br />Para quem lhes der ouvidos...Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-66201681346817087642009-03-22T08:00:00.000-07:002009-10-16T07:22:04.487-07:00Sonetos da Sertaneja (de Guilherme de Faria)<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiB3huoASOHdyzNH7SUh77E__C8x_7LlwMtXmnaU_hO36P3XDAekkXfwf9b43vkX1ANbgBfyVW3m0ooz-qsK-jIGDmd2MBgSvDDs5oJ5wY2DUs7x0QWJ-4PUi4TKzTgXauc9GZfsIpqy9E/s1600-h/Capa+dos+Sonetos+da+Sertaneja.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 271px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiB3huoASOHdyzNH7SUh77E__C8x_7LlwMtXmnaU_hO36P3XDAekkXfwf9b43vkX1ANbgBfyVW3m0ooz-qsK-jIGDmd2MBgSvDDs5oJ5wY2DUs7x0QWJ-4PUi4TKzTgXauc9GZfsIpqy9E/s320/Capa+dos+Sonetos+da+Sertaneja.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_<br />5316030881499928530" /></a><br /><em>capa do folheto de cordel "Sonetos da Sertaneja", com xilogravura de Guilherme de Faria</em><br /><br /><br /><strong>Sonetos da Sertaneja</strong><br />(de autoria de Guilherme de Faria)<br /><br /><br /><strong>Soneto do amante rarefeito</strong><br /><br />1<br />De moça eu tive um amante<br />Agora já tão distante<br />Que o cisco do seu olhar<br />Já não consigo lembrar.<br /><br />Do seu peito a caixa preta<br />Que guardava o coração<br />Perdeu-se sob a marreta<br />Que destruiu meu porão.<br /><br />A coluna ta faltando<br />E o quadril eu nunca vi<br />Mesmo quando tava amando<br /><br />Quanto à flauta da canela<br />Tô dando por falta dela<br />Que a embocadura eu perdi.<br /><br /><br /><br />2<br />Outrora, se me recordo<br />Fiz co’o diabo um acordo:<br />Amores que nunca morrem<br />Dinheiro, paz, nessa ordem<br /><br />Mas a paz, por derradeira<br />Foi que perdi de primeira<br />Pois um amor duradouro<br />Brilha bem mais que ouro.<br /><br />E um amor encontrei<br />Que até ouro eu desprezei<br />Dando-o a ele quase inteiro<br /><br />E o resto, que guardei<br />Nunca mais eu avistei,<br />Que os enterrei no terreiro.<br /><br /><br /><br />3<br />Amores, sonhos, casinha<br />Crianças correndo em volta<br />As panelas na cozinha<br />Uma vida sem revolta,<br /><br />É tudo o que eu sempre quis<br />No tempo da escolinha,<br />E escrevi no quadro a giz<br />Quando isso ainda tinha.<br /><br />Mas minha professorinha<br />Não corrigiu uma linha<br />E esqueceu de me ensinar<br /><br />Que amores, sonhos, casinha<br />Eram coisas que eu já tinha,<br />Só podia abandonar...<br /><br /><br /><br /><br /><strong>Variante do Soneto do Amor Rarefeito</strong><br /><br />4<br />Tive um parceiro dileto<br />De quem guardei o esqueleto,<br />Tinha um cisco no olhar<br />Que isso não pude guardar.<br /><br />Tinha um furinho no queixo<br />Do qual eu nunca me queixo<br />Conquanto ficou no chão<br />De areia do chapadão.<br /><br />Quanto ao resto do amante<br />Está faltando o importante:<br />O osso do seu quadril <br /><br />Que em vida nunca faltou<br />Ao osso do meu, servil,<br />Que sempre subjugou.<br /><br /><br /><br /><br />5<br />Encontrei o meu jagunço<br />Numa festa de furdunço.<br />A noite toda beijou-me,<br />De manhã abandou-me.<br /><br />Passado um ano ou mais<br />Ele voltou, veio atrás<br />De um beijo que faltou<br />E assim que me viu cobrou.<br /><br />Agora eu o sigo direto<br />Embora, infeliz , tenha o veto<br />De toda a jagunçada,<br /><br />Andando distante uma légua<br />Atrás da tropa, montada<br />Na pobre da minha égua.<br /><br /><br /><br /><br />6<br />Atravessei minha vida<br />Como a esse chapadão,<br />Com pouca água e comida<br />Senão as do próprio chão.<br /><br />Raízes, pó, macaxeira,<br />Coisas duras de roer,<br />Os sonhos que nem peneira<br />Sob a água do viver.<br /><br />Mas qual boa garimpeira<br />Recolhi na minha batéia <br />Uma pepita lampeira<br /><br />Que iluminou minha vida<br />Como se eu fosse uma atéia<br />Amorosa, fiel, atrevida... <br /><br /><br /><br /><br />7<br />Venho por essa caatinga<br />Desde longe, noutro mundo<br />Onde havia uma restinga<br />À beira de um rio fundo.<br /><br />Abandonei o meu rancho<br />Que era qual paraíso<br />Por ter perdido o juízo<br />Por causa de um pobre Sancho<br /><br />Que nem tinha o Don Quixote<br />(por esse eu não correria<br />nem atrás do meu dote)<br /><br />Que de maluca já basta<br />Esta pobre parceria<br />Que no deserto se arrasta.<br /><br /><br /><br /><br />8<br />Encontrei o meu destino<br />Numa festa de Chegança<br />Não plantei, não fiz criança,<br />Não foi Festa do Divino.<br /><br />Sete anos só de zona<br />Na cidade de Ouro Fino,<br />Outros tantos pra ser “Dona”<br />Que eu só era “a do Rufino”.<br /><br />Rufião é o que ele era<br />E gostava de bater<br />Pois que nisso ele era fera.<br /><br />No final, depois de um tiro<br />Arrependeu-se ao morrer,<br />Ao que muito me refiro. <br /><br /><br /><br /><br />9<br />Eu nunca avistei o mar<br />Mas faço dele uma idéia:<br />Um lagão a se agitar<br />Tremendo que nem geléia.<br /><br />Um bando de peixe escarlate<br />E um peixão muito feroz;<br />À borda, feito arremate,<br />Renda branca de retrós.<br /><br />Eu prefiro imaginar<br />Que tenha coisas mais finas<br />Sem sair do meu lugar<br /><br />Pois prefiro nunca vê-lo<br />Se tiver que deixar Minas <br />Ou ir além de Curvelo.<br /><br />FIM<br /><br />03/08/2004<br /><br /><br /><br /><strong>Sonetos da Sertaneja II</strong><br /> (de Lima Duarte- MG<br />Versos de Guilherme de Faria)<br /><br />Em Lima Duarte vim<br />Duartina me criei:<br />Me apaixonei, ai de mim!<br />Por alguém que virou frei.<br /><br />Na rua da Prefeitura<br />Namorei, sentei na praça;<br />Sou mineira, moça pura,<br />Não neguei a minha raça.<br /><br />Fiz das tripas coração,<br />Nos seus votos o meu véu<br />Não era de contrição<br /><br />Pois na Rádio Cascavel<br />Dediquei-lhe uma canção<br />Que falava do meu mel.<br /><br /><br /><br /><br /><strong>Sonetos da Sertaneja II</strong><br />(de Lima Duarte- MG<br />de Guilherme de Faria)<br /><br />2<br />Nasci em Lima Duarte<br />Nunca quis sair da toca<br />Sou mineira e dest’arte<br />Nem conheço Ibitipoca.<br /><br />Já que sou zona da Mata<br />Não me mata de vergonha,<br />Não queira me pôr na zona<br />Que assim ocê me mata.<br /><br />Respeite meu sentimento<br />Que sou só de dar broinha<br />Não tenho arrependimento.<br /><br />E morando em Paradinha<br />Não mudei, não me dei ares<br />Na Francisco Valadares.<br /><br /><br /><br /><strong>Sonetos da Sertaneja II</strong><br />( Dos Sonetos da Paradinha, Lima Duarte,<br /> de Guilherme de Faria)<br /><br />Quem me vê assim quietinha<br />Nesta rua em Paradinha<br />Se espanta que eu não me queixe<br />Das Dores do Rio do Peixe.<br /><br />Mas é que a Nossa Senhora<br />Que é a dona dessas dores<br />Vela pela minha hora<br />De sorrir pros meus amores.<br /><br />Assim eu vivo a vidinha,<br />Conformada, na aparência,<br />Mas por dentro uma rainha<br /><br />Que espera o seu patrono,<br />Paciente, sem urgência,<br />Pra retornar ao seu trono.<br /><br /> FIM<br /><br />05/08/2004Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-88983284927785128562009-03-22T06:07:00.000-07:002009-10-16T07:23:51.062-07:00Romance do Galo(cordel de Guilherme de Faria)<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiM1VEvywvvtTL-fJOks_if7TN7YkF9eBi4HTNEbAxg7pLlewzgE1gdREId6MMQUoCgPnch5BEbhT6xRrTa2vkQEJcwq2lfVnSU4awsWjUjmz44h7UJubwdZMnVaAW2U2GRxrb_P4ui1Is/s1600-h/Romance+do+Galo.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 247px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiM1VEvywvvtTL-fJOks_if7TN7YkF9eBi4HTNEbAxg7pLlewzgE1gdREId6MMQUoCgPnch5BEbhT6xRrTa2vkQEJcwq2lfVnSU4awsWjUjmz44h7UJubwdZMnVaAW2U2GRxrb_P4ui1Is/s320/Romance+do+Galo.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5316001646698424466" /></a><br /> <em>Capa do folheto Romance do Galo, com xilogravura de Guilherme de Faria</em><br /><br /><br />1<br />Vou contá agora um causo<br />Que ninguém mais qué contá<br />Decerto devido ao descauso<br />Do pouco assunto que dá.<br /><br />2<br />É que o pobre do Zequinha<br />Cismava de pé ou sentado<br />Ciscando sempre, coitado,<br />No terreiro com as galinha<br /><br />3<br />Cutucando co’a varinha<br />Talvez de desenfastio<br />Ou pra dá ao tempo linha<br />Pra poder pegar o fio<br /><br />4<br />A taperinha caiada<br />Já tinha sete menino<br />E a muié sempre embuxada<br />Cum mais um que tava vino.<br /><br />5<br />Haverá de acontecê <br />Arguma coisa uma hora!<br />Num era possíve sê<br />Só essa vida caipora.<br /><br />6<br />De repente observô<br />O galo naquele terreiro<br />E desta vez de primeiro<br />Muito inté lhe adimirô.<br /><br />7<br />No meio da área vazia<br />Ele mantinha imponência:<br />Seu brio num esmorecia<br />Do harém tinha tenência.<br /><br />8<br />Sempre de peito estufado<br />A crista muito vermelha<br />Barbelas de macho safado<br />E penas da cor da telha.<br /><br />9<br />Parecia estar posano<br />Sempre e sem descanço<br />Se exibindo desfilano<br />Até c’um passo de ganso.<br /><br /><br />10<br />No calor desse terreiro<br />Quar bigorna de ferreiro<br />Onde nem inseto havia<br />Esse galo se exibia.<br /><br />11<br />Zequinha então entrô<br />Na taperinha um instante:<br />Debaixo da cama tirô<br />Uma mala c’um barbante.<br /><br />12<br />Era a mala do casório<br />Co’a Dasdô, coitada,<br />Que há muito tava encostada,<br />Do tempo do suspensório.<br /><br />13<br />Pegô o terno de risca<br />Camisa de colarinho<br />Gravata sem deseínho<br />Vermeia que os óio pisca.<br /><br />14<br />Vestiu o terno e a gravata<br />De casimira barata,<br />Amassada em desalinho<br />Que ele esticô um pouquinho.<br /><br /><br /><br />15<br />Quando botô o lenço<br />Branco naquele bolsinho<br />Desse terno azul marinho<br />Foi ficando meio tenso.<br /><br />16<br />Aí empinô o peito<br />E tava quase ino embora<br />Quando viu o par de espora<br />Pendurado junto ao leito.<br /><br />17<br />Afivelô nas botina<br />De modo meticuloso<br />E assim todo garboso<br />Se sentindo gente fina<br /><br />18<br />Se ergueu em toda linha<br />Vortô a empiná o peito<br />Foi saino sastifeito<br />Atravessando a cosinha<br /><br />19<br />Cum as espora tinindo<br />Tava macho, tava lindo<br />Andando sem se voltá<br />Os óio sem desviá<br /><br />20<br />Viu a sua Dasdô<br />C’o Junio no colo em riba<br />Da sua grande barriga<br />Mas por ela ele passô<br /><br />21<br />Enquanto aquela turminha<br />Das criança na cozinha<br />Abria uma gritaria<br />Saudando essa alegoria.<br /><br />22<br />E o Zequinha foi pisô<br />No terreiro e então andô<br />Pra frente sem se vortá<br />Sem nem em vorta oiá<br /><br />23<br />E garboso caminhano<br />Tinindo aquelas espora<br />Foi o campo atravessano<br />Visíve por uma hora.<br /><br />24<br />Até que o vulto distante<br />Naquela linha ondulante<br />Que o calor reverbera<br />Em vorta daquela tapera<br /><br /><br />25<br />Foi ficano meio vago<br />Até sumí por encanto<br />Para aquele meu espanto<br />Que ainda no peito trago...<br /><br />FIM<br /><br />05/02/2003Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-73537836466052441052009-03-14T17:50:00.000-07:002023-09-11T09:05:23.274-07:00Romance do Coronel e a Donzela<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfbWtOPSvCODYzSQoxd5x2N1iA70HIxS3oL63NnAiaegWXD986utiJXgDVHrVtWmsiVmFoHV8DLu_ohwQ96yze1EJm9xqmLOw_9FmyCBQoac25qb30Xx_7c1WrEGvdwQe3JfeCHWWx-A4/s1600-h/Romance+do+Coronel+e+a+Donzela.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5313224948734751090" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfbWtOPSvCODYzSQoxd5x2N1iA70HIxS3oL63NnAiaegWXD986utiJXgDVHrVtWmsiVmFoHV8DLu_ohwQ96yze1EJm9xqmLOw_9FmyCBQoac25qb30Xx_7c1WrEGvdwQe3JfeCHWWx-A4/s320/Romance+do+Coronel+e+a+Donzela.jpg" style="cursor: pointer; display: block; height: 320px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 222px;" /></a><br /><em>Capa do folheto de cordel "Romance do Coronel e a Donzela",com xilogravura de Guilherme de Faria</em><br /><br /><br />1<br />Pr’essa seleta audiência<br />Vou contar quase uma lenda<br />D’uma donzela Laudência<br />Que vivia na fazenda.<br /><br />2<br />Prometia desde a infância<br />Aquela beleza rasgada<br />Que iluminou essa estância<br />Como vela encomendada.<br /><br />3<br />Correndo da cozinha<br />Pro terreiro e pro cercado<br />Pra tratar cabra e galinha<br />E voltando pro sobrado,<br /><br />4<br />Dormia com sua tia<br />E também com uma prima.<br />No catre ela se espremia<br />Sem lhes perder a estima.<br /><br />5<br />Os grandes leitos da casa<br />Viviam sempre vazios<br />Como se tivessem brasa<br />Ou se fossem muito frios,<br /><br />6<br />Que o coronel Zé Simão<br />Tinha munheca de vaca<br />Não repartindo o pão<br />Para não gastar a faca.<br /><br />7<br />Quando a pobre arrumava<br />Esses leitos infecundos<br />A coitadinha deitava<br />Neles por uns segundos,<br /><br />8<br />Fingindo-se adormecida<br />Numa cama de dossel<br />Sonhando uma outra vida<br />Debaixo de um outro céu<br /><br />9<br />Onde, princesa encantada<br />Ela seria levada<br />Por um príncipe vaqueiro<br />Pra longe desse terreiro<br /><br />10<br />Para um rancho acastelado<br />Cercado de muito gado,<br />De vaquinha com torneira<br />E galinha poedeira.<br /><br />11<br />Pulava então, assustada,<br />Com medo de ser flagrada<br />Em crime de fantasia<br />De beleza ou monarquia.<br /><br />12<br />Mas Laudência cresceu<br />Botou corpo e “embeleceu”<br />Foi ficando apetitosa<br />Coisa muito perigosa,<br /><br />13<br />Quer dizer, desabrochou,<br />Sua beleza então ficou<br />Um tanto meio ostensiva<br />Doendo na carne viva<br /><br />14<br />Do desejo do patrão,<br />O coronel Zé Simão<br />Que há muito enviuvara<br />Sem fazer florir a vara<br /><br />15<br />Como o José da escritura,<br />Que este José caradura<br />De santo não tinha nada<br />E sua vida era “privada”...<br /><br />16<br />Mas a donzela expedita<br />Quando servia na sala<br />Cafezinho pr’a visita,<br />Não parecia vassala.<br /><br />17<br />Era sempre confundida<br />Embora simples vestida,<br />Pois que se vê pelo pé<br />Quem é nobre ou pangaré.<br /><br />18<br />E a donzela Laudência<br />Que morava no porão<br />Tinha toda a aparência<br />De uma filha de patrão:<br /><br />19<br />Os tornozelos fininhos<br />E delicados pesinhos<br />Que pisavam no assoalho<br />Como gata no borralho.<br /><br />20<br />Mas o tempo deu a Laudência<br />Uma cota de seis meses<br />De paz, depois dos seus treze,<br />Que o patrão tinha urgência.<br /><br />21<br />Como a tia vigiava<br />E era boa cozinheira<br />O patrão diz que casava<br />Ou fazia companheira.<br /><br />22<br />É que o velho apaixonou-se<br />Ficou zoró e babou-se<br />Coma idéia de colher<br />A flor de tanto prazer.<br /><br />23<br />Foi só casar decidir<br />Pra seu filho retornar<br />À casa para exigir<br />O que era seu pra herdar<br /><br />24<br />Já que a mãe é que era rica,<br />Filha de um general<br />(sua morte não se explica<br />e ainda cheira muito mal).<br /><br />25<br />O filho era um doutorzinho<br />Criado na capital,<br />Não se dava com o paínho <br />Ou se dava muito mal.<br /><br />26<br />Arretado de bonito<br />Botou o olho em Laudência<br />Cuja bela aparência<br />Aumentou com o espevito<br /><br />27<br />Pois a moça nele viu<br />O príncipe do seu sonho<br />E embora fosse bisonho<br />Esse amor evoluiu.<br /><br />28<br />O rapaz reinvindicava<br />A fazenda e algo mais:<br />Três quartos dos animais,<br />Que com a moça se casava.<br /><br />29<br />A casa então estalava<br />Com o ódio que exalava<br />Dessas paredes fatais<br />Com pai e filho rivais.<br /><br />30<br />No meio dessa tensão<br />A tia da pobre Laudência<br />Fraquejou do coração<br />E fez ver a sua ausência.<br /><br />31<br />Pai e filho amparavam<br />Até o cemitério<br />A moça e lhe segredavam<br />Promessas de refrigério.<br /><br />32<br />Mas água caiu demais<br />Sem esfriar o rancor<br />Desses corações rivais<br />Divididos pelo amor<br /><br />33<br />Dessa moça pueril<br />Que nunca na vida viu<br />A verdadeira nobreza<br />Que já tava em sua beleza.<br /><br />34<br />Ela então se decidiu<br />Pelo filho do patrão<br />Um bom noivo nele viu, <br />Que era moço e bonitão.<br /><br />35<br />Resolveram então fugir<br />Para poder se casar<br />Que a onça estava a rugir<br />E ameaçava saltar.<br /><br />36<br />Mas não chegaram direito<br />Na porteira da fazenda<br />Que o velho já tinha feito<br />Pr’a jagunçada a encomenda:<br /><br />37<br />Surgiram de todo lado<br />E abateram à paulada<br />O cavaleiro encantado<br />E a moça foi levada<br /><br />38<br />De volta pro casarão<br />E trancada no porão<br />Lacrado durante o dia<br />Como o lacre que ainda havia.<br /><br />39<br />O povo da região<br />Diz que o velho coronel<br />Descia àquele porão<br />De noite com um farnel<br /><br />40<br />E subia ao amanhecer<br />Pra na varanda sentar<br />Olhando o alvorecer,<br />Tentando purificar<br /><br />41<br />A sua alma sombria<br />Que qual carcará vigia<br />Seu reino desse sertão<br />De trevas e solidão.<br /><br />42<br />Agora peço perdão<br />A esse meu auditório<br />Que com tanto palavrório<br />Perdi a medida e a mão<br /><br />43<br />Contando causo escabroso<br />Que é melhor nem ser contado.<br />Quem cala, diz o ditado, <br />Traz presente valioso. <br /><br />44<br />Mas sendo um conto de fada<br />Posso concertar um pouco<br />E dizer que tava louco<br />Com a versão apresentada,<br /><br />45<br />Pois o moço não morreu:<br />Tava ferido e viveu<br />Escondido na palhoça<br />De um casal que o recolheu<br /><br />46<br />E voltou daquela roça<br />No seu cavalo Himeneu<br />Chegando mesmo justinho<br />Para salvar o selinho.<br /><br />47<br />O coronel que era um bruxo<br />Deu um estouro e babau,<br />Mas ainda deu-se o luxo<br />De virar um bacurau<br /><br />48<br />Que vive cantando agouro<br />No mourão dessa porteira<br />Para o fado duradouro<br />Do amor dessa parelha<br /><br />49<br />Que agora vive contente<br />No casarão povoado<br />De crianças adoidado,<br />Com até cama patente.<br /><br />FIM<br />18/02/2003Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-47756943067374113762008-12-18T07:29:00.000-08:002008-12-21T15:20:29.269-08:00Romance do Mágico (cordel de Guilherme de Faria)1<br />Nascido numa aldeia<br />Que em sua simplicidade<br />Não chegava a ser feia<br />E nem era uma cidade<br /><br />2<br />De tão pequena e singela<br />Onde o povo ainda come<br />Com a mão e na tigela,<br />Conquanto não passe fome.<br /><br />3<br />Não tinha pois novidades<br />Entra mês ou saia mês<br />A não ser enfermidades<br />Ou a morte de uma rês,<br /><br />4<br />Também de alguma tia,<br />(que era tudo parentalha), <br />Mas a dor se alguém morria<br />Era só fogo de palha.<br /><br />5<br />E assim tempo passara,<br />Eu já tava com dez anos,<br />Ainda não chegara<br />O tempo dos desenganos.<br /><br />6<br />Então chegou frente à escola<br />Um carro com auto-falante<br />Em cima de grande cartola,<br />Repetindo a todo instante:<br /><br />7<br />“Hoje é dia de magia!”<br />“Conheçam o grande Faruque,<br />O mago que a gente espia<br />E não descobre seu truque!”<br /><br />8<br />“É magia Abracadabra,<br />Não tem mistificação!”<br />(adorei a conjunção:<br />mistifica ou então abra...)<br /><br />9<br />“Às sete horas da noite<br />Na sala da escolinha.<br />Mas que ninguém se afoite,<br />Avisa a professorinha"<br /><br />10<br />"A quem "o Mago de Angola"<br />Agradece a gentileza<br />E o uso de sua mesa<br />Para pousar a cartola!”<br /><br />11<br />E assim naquela tardinha,<br />Tremendo de excitação<br />Fui ver aquele que tinha<br />O segredo da emoção,<br /><br />12<br />De negro vestido e cartola,<br />Com capa preta e vermelha,<br />Com aquela alta gola<br />Que a do "cujo" se assemelha.<br /><br />13<br />O homem era elegante<br />E ainda trazia um anão<br />Com um bufante calção<br />E uma espécie de turbante.<br /><br />14<br />Mas na hora da função,<br />Sendo muito alta a mesa<br />Para o pobre do anão,<br />Chamou a dona Tereza<br /><br />15<br />Nossa professorinha<br />Que era linda de amar <br />(e nisso estava sozinha)<br />Para ser sua auxiliar.<br /><br />17<br />Deu-lhe a sua cartola<br />E fez ela nos mostrar<br />Virando a cuja no ar<br />E até pondo na cachola<br /><br />18<br />O que fez a gente rir<br />(ah! que graça ficou!)<br />E depois a entregou<br />Para o anão repetir.<br /><br />19<br />De volta na mão do mago<br />Que tirou uma garrafinha,<br />Levou à boca num trago<br />Virando o resto que tinha<br /><br />20<br />Dentro daquela cartola<br />Que começou a brotar<br />“Como os frutos da escola!”<br />(não deixou de proclamar).<br /><br />21<br />E de repente, kabou!<br />Aquele pequeno arbusto<br />Sumiu para nosso susto<br />E uma pomba voou.<br /><br />22<br />Foi um delírio na sala,<br />Eu chorava de beleza,<br />Mas a dona Tereza<br />Essa então nem se fala!<br /><br />23<br />Mas depois de outros lances<br />Que não vou nem descrever<br />Nada mais foi como antes,<br />Mas pelo que se vai ver:<br /><br />24<br />Todos com ar jucundo<br />Voltamos, sonhando um dia<br />Fazer aquela magia<br />E andar aí pelo mundo.<br /><br />25<br />E dormi como quem goza<br />Depois de muito excitado<br />Para ser só acordado<br />Com uma notícia espantosa:<br /><br />26<br />Dona Tereza sumira,<br />A nossa professorinha!<br />Com o mago ela fugira,<br />Deixando o anão na escolinha<br /><br />27<br />Onde até hoje é o bedel,<br />Não de calção bufante<br />Mas ainda de turbante,<br />Que ele mantém, fiel.<br /><br />28<br />Nunca mais se ouviu falar<br />Do mágico e da Tereza<br />Mas qual príncipe e princesa<br />Eles teimam em me ficar.<br /><br />29<br />Mas o anão, coitado,<br />Que fora abandonado,<br />Nem se mostra ressentido,<br />Entre nós fora acolhido.<br /> <br />30<br />E se a gente lhe pedia<br />Revelar truques do mago,<br />Repetia, meio vago:<br />“Sedução... amor... magia...”<br /><br />FIM<br /><br />18/12/2008Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-709279988292413232008-12-16T19:07:00.000-08:002012-01-04T13:26:47.087-08:00Romance do sangue e da água (cordel de Guilherme de Faria)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7c7F-SePua-c7TZYwjN-_evmTyvmN3Teu_J70Oq7Cc9o_qsIYiK7DZGsDvzL0MVs6mXrAYsR7EZjGG1_qvNSwghthMpIIA-MjezF110KovamwEDugdpOHev-MH-T9JNtJWQyIq7ex_PA/s1600/Romance+do+Cordelista+II+%25282%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="388" width="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7c7F-SePua-c7TZYwjN-_evmTyvmN3Teu_J70Oq7Cc9o_qsIYiK7DZGsDvzL0MVs6mXrAYsR7EZjGG1_qvNSwghthMpIIA-MjezF110KovamwEDugdpOHev-MH-T9JNtJWQyIq7ex_PA/s400/Romance+do+Cordelista+II+%25282%2529.jpg" /></a></div><br />
1<br />
Não era um sítio isolado<br />
A nossa terrinha antiga<br />
Mas sem cabeças de gado,<br />
Sem horta, que nada irriga.<br />
<br />
2<br />
Só cabras mascando coisas<br />
Que nem sei se são raízes<br />
Confinando com os Soizas<br />
Com seus dois ou três Luizes.<br />
<br />
3<br />
Havia pouco em disputa<br />
Mas sangue vinha na boca<br />
E o gosto era de luta<br />
E não se dormia de touca.<br />
<br />
4<br />
Por “dá lá aquela palha”,<br />
E palha não faltava<br />
Já que tudo esturricava,<br />
Soa um tiro, outro ali falha.<br />
<br />
5<br />
Eu já tava descorçoado<br />
De viver daquele jeito<br />
Trazia uma bala no peito<br />
E duas aqui do lado.<br />
<br />
6<br />
Mas em compensação<br />
Já perdera dois dos filhos<br />
E eles dois dos Luízes,<br />
Que eram cinco os infelizes.<br />
<br />
7<br />
Já não se podia andar <br />
A esmo por esta senda <br />
Pois a bala das crianças <br />
Era vendida na venda<br />
<br />
8<br />
E não era bala de mel <br />
Ou de celofane o papel,<br />
Mas de chumbo e amarga<br />
Com direito de recarga.<br />
<br />
9<br />
E foi aí que eu quis<br />
Chamar o velho Luiz<br />
Para um duelo de morte<br />
Que nos decidisse a sorte.<br />
<br />
10<br />
Desde que o que sobrasse<br />
Então por honra adotasse <br />
O filhos do falecido:<br />
Nem vencedor, nem vencido.<br />
<br />
11<br />
O mais incrível, hoje vejo,<br />
É que o Luiz velho aceitou<br />
E comigo duelou,<br />
Que era só um percevejo<br />
<br />
12<br />
Na cama dele, mais rico,<br />
Que não tinha nem um tico<br />
De medo, mas sim ganância,<br />
Enquanto eu, arrogância.<br />
<br />
13<br />
Mas eu sabia que ao menos<br />
Sua palavra mantinha<br />
Até pelo orgulho que tinha,<br />
O resto era de somenos.<br />
<br />
14<br />
E assim, de madrugada<br />
Com a arma engatilhada<br />
Nós fomos para a restinga<br />
Seca como a caatinga<br />
<br />
15<br />
Mas eis que na chapada<br />
Foi trovão que ecoou<br />
E chamou a sua amada<br />
Que sobre nós desabou <br />
<br />
16<br />
E encheu o leito seco<br />
Que até mesmo desbordou<br />
Cobrindo de verde e esterco<br />
A horta que então vingou.<br />
<br />
17<br />
E o gado por milagre<br />
Que pastava e paria<br />
Devolvia pra Maria<br />
O leite que lhe faltou.<br />
<br />
18<br />
Na chuva nos abraçamos<br />
O velho Luis e eu<br />
Juntando o dele e o meu<br />
E só balas não plantamos<br />
<br />
18<br />
Jogando elas no rio<br />
Como peso para anzol<br />
Pois um novo arrebol<br />
Encerrava o desvario.<br />
<br />
19<br />
E juntamos os dois Luizes <br />
Com os meus dois Joões,<br />
As Marias e seus botões <br />
E estes velhos narizes<br />
<br />
20<br />
Que já não andavam erguidos<br />
Farejando nosso sangue<br />
Que agora está contido<br />
Na alma como num mangue.<br />
<br />
21 <br />
Formamo uma só família,<br />
O velho Luiz finou,<br />
Também a minha Maria, <br />
Fiquei com a que restou.<br />
<br />
22<br />
Foi assim que a água veio<br />
E que o sangue refluiu <br />
Neste sertão que era feio<br />
Quando reinava o fuzil<br />
<br />
Neste mamilo de seio<br />
Que o povo chama Brasil...<br />
<br />
FIM<br />
<br />
14/12/2008Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7840916041697850156.post-18303525338180737972008-12-16T14:16:00.000-08:002012-01-06T08:14:04.060-08:00Romance do papa-velório (cordel de Guilherme de Faria)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNxw00PxJyc046oMUBNpMWMZ6Twnog4kHP3PghsoawxdgZsTaug-SXBst5QZWpnB1xjFLIWQSCxkRhCldiFHw3tOr3-bNfOZ_GlajJHsN8uE3YklvjcmEl-B8j-yz0vho8tk9LhqgA4eI/s1600/Romance+do+Papa-Vel%25C3%25B3rio.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="77" width="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNxw00PxJyc046oMUBNpMWMZ6Twnog4kHP3PghsoawxdgZsTaug-SXBst5QZWpnB1xjFLIWQSCxkRhCldiFHw3tOr3-bNfOZ_GlajJHsN8uE3YklvjcmEl-B8j-yz0vho8tk9LhqgA4eI/s400/Romance+do+Papa-Vel%25C3%25B3rio.jpg" /></a></div><br />
<br />
<b>Romance do papa-velório</b><br />
<br />
<i>(cordel de Guilherme de Faria)</i><br />
<br />
1<br />
Pra esta platéia atenta<br />
Não vou contar causo triste,<br />
Mas um pra quem se contenta<br />
Com pouco mais que um chiste.<br />
<br />
2<br />
Sei que a morte é causo sério,<br />
Não gosta de quem co'ela brinca,<br />
O riso logo se trinca<br />
Quando diante do Mistério.<br />
<br />
3<br />
Freqüentava aqui o Empório<br />
Um macabro empedernido<br />
Chegado em defunto e velório<br />
E de viúva o gemido.<br />
<br />
5<br />
Enterro, então? Prato cheio!<br />
Para o Osório era um festão,<br />
Que se punha ali no meio <br />
Ou num’alça do caixão.<br />
<br />
6<br />
Depois, na beira da cova<br />
Queria dar uma mão<br />
Uma pá de terra nova,<br />
Um berreiro e uma oração.<br />
<br />
7<br />
Mas sobretudo discurso,<br />
Que nisto ele era mestre,<br />
Embora das letras pedestre<br />
E educado como um urso. <br />
<br />
8<br />
Foi então que nos morreu<br />
O velho padre Tadeu<br />
Envolto em sua batina <br />
Branca como parafina.<br />
<br />
9<br />
Tinha fama de santinho,<br />
Uma vida em castidade,<br />
Nenhum fio de descaminho<br />
Verdadeira santidade.<br />
<br />
10<br />
Ah! Lá estava o Osório!<br />
O primeiro no velório<br />
De terno preto o finório,<br />
De gravata e suspensório.<br />
<br />
11<br />
Tudo de praxe correndo<br />
Se não fosse a choradeira<br />
Quando se abriu a torneira<br />
Do besteirol tremendo. <br />
<br />
12<br />
Voavam pombos e flores,<br />
Auréolas de santidade,<br />
Nada de simples amores,<br />
Mas Virtude e Castidade.<br />
<br />
13<br />
Mas não foi esse o problema,<br />
Até aí, tudo bem...<br />
Mas empolgado c’o tema<br />
Osório foi mais além <br />
<br />
14<br />
E começou a contar <br />
Suas próprias confissões <br />
Para se vangloriar <br />
Das tais absolvições<br />
<br />
15<br />
De que o padre era pródigo<br />
E as modestas penitências,<br />
Contrariando o código,<br />
E nada de abstinências.<br />
<br />
16<br />
Logo a cidade inteira <br />
Era toda desnudada <br />
Não havia bandalheira<br />
Que não fora perdoada.<br />
<br />
17<br />
Padre Tadeu pronto e presto<br />
Perdoara até o prefeito<br />
Em sua eleição de cabresto<br />
E seu coreto malfeito<br />
<br />
18<br />
Que desabara c’o vento<br />
E o relógio da torre<br />
A girar como num porre<br />
Parecendo um catavento.<br />
<br />
19<br />
Depois os vereadores<br />
Todos eles grão-senhores<br />
Numa aldeia de dores<br />
Pobrezas e maus odores.<br />
<br />
20<br />
Quanto à nossa burguesia<br />
(até aqui isso medra...)<br />
Não sobrou nenhuma pedra<br />
Dentro dessa sacristia.<br />
<br />
21<br />
Começou a revolta<br />
Correria e empurrões <br />
Até alguns palavrões<br />
E a chegada de uma escolta<br />
<br />
22<br />
Para levar o Osório<br />
De volta pro nosso Empório<br />
Que ficou co’a triste fama<br />
De urdir e jogar lama.<br />
<br />
23<br />
Desde então o “velorista”<br />
(velador que desvelou) <br />
Como que se aposentou <br />
E só vive de entrevista<br />
<br />
24<br />
Quando chega alguém de fora<br />
Vamos logo apresentando:<br />
Esse é o nosso Osório<br />
Que acabou com o velório<br />
<br />
25<br />
Do santo da nossa vila<br />
Junto com a reputação, <br />
Se não da população<br />
Mas dos notáveis em fila.<br />
<br />
26<br />
Vocês perguntam, meus filhos,<br />
Como o Osório conhecia <br />
Os podres e os pecadilhos<br />
Que por dentro acontecia?<br />
<br />
27<br />
É que o santo padre bebia<br />
No nosso Empório e curtia<br />
Contar pra nós os pecados<br />
Dos poderosos e honrados<br />
<br />
28<br />
Que no domingo ajoelham <br />
Naquele confessionário<br />
Para abrir o relicário<br />
Onde todos se assemelham!<br />
<br />
FIM<br />
14/12/2008Guilherme de Fariahttp://www.blogger.com/profile/13613058423722939779noreply@blogger.com0