segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Romance da bela oleira





(Cordel de Guilherme de Faria)


1
Foi aqui, meu camarada,
Nesta olaria arruinada
Que conheci a Maria,
Do próprio barro encantada.

2
Moldada da mão de Deus,
O nosso Supremo Oleiro,
Maria “dos olhos-meus”
Como disse um violeiro

3
Era a única beldade
Em toda esta região,
Sua fama, de verdade,
Espalhou-se no sertão

4
Pois a nossa bela oleira
Da cor mesma de uma telha
Tinha uma bela maneira
De erguer a sobrancelha


5
Sem que ríctus parecesse
Daquela Lilith, não Eva:
Por mais que a bela excedesse
Passava longe da Treva.


6
Não tinha pois procedência
A calúnia que correu,
Quando o moço apareceu
Enforcado na Querência.


7
O povo só tinha visto
A moça ser perseguida
Pela presença atrevida
Do filho de Pedro Xisto

8
Que a despediu, o patrão,
Pra poder então matá-la
Sem chamar muita atenção,
E jogá-la numa vala.


9
Mas o povo a encontrou
Atirada, seminua
Em cima da argila crua
De onde se originou,


10
E a carregou na tábua
Mesma, em que põem a telha,
Agora bandeja de mágoa
Ardente como uma grelha.


11
E a expuseram frente a escada
Do casarão da “Querênça”
Durante uma madrugada
Cantando uma “Incelença”

12
Já era santa a beldade
Só faltava ascender
E pra isso o povo acender
A grande vela da herdade.

13
Que foi logo incendiada
Antes de raiar o dia
Enquanto aquela “famía”,
Correndo se arretirava.

14
Agora nem tico-nem taco,
Nem casa nem olaria,
Nem telhas, nem alegria,
Nem herdade, tudo opaco.

15
Mas a ruína da olaria
Com renitente beleza
Recorda a natureza
Cobrando a bela Maria.

FIM

28/11/2004

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