sábado, 26 de setembro de 2009

Versão inglesa do Romance da Vidência


Capa do folheto de cordel Romance da Vidência, com xilogravura de Guilherme de Faria

Em homenagem a uma interessante senhora de meia-idade americana (de quem não me lembro o nome) e que conheci numa loja de arte de amigas minhas na rua Augusta, e que tendo se declarado entusiasta da arte popular brasileira e colecionadora de folhetos de cordel nordestinos (seria ela uma " brasilianist"?) recebeu de mim de presente um exemplar deste Romance da Vidência, publico aqui esta minha tentativa de versão para o idioma inglês, desse cordel que é considerado por muitos como a minha obra-prima. Perdoem-me os conhecedores da língua de Shakespeare os eventuais erros e impropriedades que possa ter cometido. Reconheçam, se possível, o esforço requerido nesta empreitada: verter para um outro idioma que nem sequer domino sem dicionário, com métrica e rima o meu próprio original. Notem que para manter métrica e rima sem trair a essência do poema, eu tive que recorrer a uma "transliteração" criativa. O resultado pode ter ficado parecido com uma balada irlandesa, mas a ideía é justamente essa, encontrar uma equivalência ou aproximação de espírito popular entre as duas culturas: a nordestina brasileira e a celta.

(e.mail de contato: guilhermedefaria@gmail.com)

Divination Cordel

(by Guilherme de Faria, from Brazil, translated from the portuguese by the author)


1
Behold, o might emotion,
To an odd folk tale!
(I’d rather sing and sail
On a clear slow motion...)

2
I only need a sound
To beguin my chants.
Give a penny or a pound
It certainly enchants.

3
Once upon a time
Was a gipsy or “gitan”
And not only for the rhyme
She was not a puritan.

4
Rafeesa was her name
An she had a bad fate,
But she never had the blame,
She was not a being of Hate.

5
She’d power of divination,
But unfortunate Cassandra,
Misbelieved by her nation
As if she was a “salamandra”.

6
Than it happened one day
That arrived an ironsmith
From a place far away,
That had heard about her Mith.

7
He was but a horse fly
And although being dirty
Was a handsome guy
That was only about thirty.

8
Rafeesa (almost forgot)
Had a fame of very hot
Since guys were affected
By her graceful aspect.


9
But this man of small future
Took off his hat of leather,
He stood and looked better
With those eyes of moor.

10
“Eh laho, Lady Raffesa,
I came from far away
Searching a smile of Monalisa
Since the "Ides of May”.

11
“I came from Blakstone,
A county where never rains
Since the night of the stone
That felt on the plains”.

12
“Let me speak, you’ll understand,
Lady Feesa, hear these guy,
When I talk, don’t contend,
If I stop my mind will fly”.

13
So Raffesa looked at the man
From his head to his feet,
Shook her hand like a fan
And not like when we meet.


14
And sat on her favorite chair
Without the crystal ball
As she only need some air
And had not some help to call.

15

“I’ll tell you my intension:
I’m very, very distressed
By a tormented passion
Of a dream I’ve no access”.

16
“She is called Lisamel
And not even knows I exist,
With her admirers in a list
Her father is a colonel”.

17
“When she passes by on riding
Throws lots of coins in the hall
To the kids running and finding
In the middle of their howl”.

18
“She stops at the furnace
Asking for a cup of water,
And she drinks, o pretty face!,
Without looking to this brother”.

19
“And I stay seeing her shoes
That is really a golden sandal
Showing those little toes
With the second larger: scandal!”

20
“After than, O sorrow of mine!
She would never ask my aid.
She did not want the wine
I provide to my maid!"

21
Rafeesa fixed those eyes
And quickly laid down the cards,
Than signed the one that lies
Although surely she retards.

23
“Man”-said Lady gitan-
“Its written here so clear
That the fate is already done
And you must have no fear”.

24
“Vessel maid comes to shore.”
“Soon she’ll drink on your palm
But I can’t say no more
So you can just be calm.”


25
The ironsmith moved away
Sowed of much a hope,
Taking back soon his way
To his "Forgery & Masterstroke".

26
Passed by only a week
He came back in a gallop
Like a soul lost and weak,
With his anguish in the top.

27
“ Lady Feesa, show me please,
My cards, to know, and soon
The sure day I will decease
Cause I’ll not see this moon.”

28
“I’ll pay back the offsetting
Cause my maid saw my palm
Drinking water in my setting,
But in agony, without a salm.”

30
“In the timing of her death
She rode many a yard
To finally find the rest
In the face of her card.”


31
“Shoot down in her breast
By a pretender in sorrow,
She drunk with no tomorrow
In my palm... at last!”

THE END




Romance da Vidência
(Cordel de Guilherme de Faria)


1
Preparem a sua emoção
Para um caso do Destino
Vou usar todo o meu tino
Pra cantar sem violão.

2
Só preciso achar o tom,
Que a música deste poema
Cria seu próprio sistema
De silêncios e de som.

3
Havia nesta divisa
Uma cigana arretada
O seu nome era Rafisa
Parecia alumiada.

4
Tinha o dom da profecia
Mas, cassandra malfadada
Era sempre acreditada
Só depois que acontecia

5
Aí houve o incidente,
Que chegou no seu terreiro
Um capiau renitente
Que era um pobre ferreiro.

6
Vinha montado sem sela
E embora fosse cascudo
Era bonito e parrudo
Sem papos nem xurumela.

7
Rafisa (quase esquecia)
Era um pouco desgrenhada,
Também tinha a latumia
De uma Medusa da estrada.

8
Quer dizer: era bonita
E até muito faceira
Descontada a cabeleira
E a saia sarapintada.

9
O matuto desmontou
E tirou o chapéu de couro
Parou um pouco e olhou
Com aqueles olhos de mouro.

10
“Siá Rafisa, venho vindo
De muito longe, seguindo
A fama de vosmecê,
Queira pois me recebê.

11
Venho da Pedra Preta
Um raso onde num chove
Desde a noite do cumeta
Que ainda o povo comove.

12
Mas num vim pedir trovão
Que num é de sua alçada
É lance de coração
Ou de vida amargurada.

13
Me deixa entrá que lhe esprico
Siá Rafisa, ocê me escuta,
E se falo, não discuta
Que se calo, me comprico.”

14
Rafisa olhou o matuto
De cima a baixo e botou
A mão no colo e virou
Com aquele ar arguto

15
E na mesa da cozinha
Sem a bola de cristal
Sentou depois da voltinha
Com seu jeito sensual.

16
“Como digo a vosmecê
Ando muito agoniado
Duma paixão sem mercê
Por um sonho inalcançado.

17
Ela se chama Lazinha
E nem sabe que eu existo,
Filha do coroné Xisto
Tar quar uma princesinha.

18
Quando passa amuntada
Joga moeda no ar
Pra meninada catar
No meio da gritaiada.

9
Um dia chegou na frágua
Pedindo um pouco de água
Bebeu sem me oiá, pensei,
Ou fui eu que não oiei

20
A não ser, pro seu pezinho,
Carçado cuma alpercata
Fina, de ouro e prata
Mostrando aqueles dedinho

21
Que prestei muito sentido,
Para minha perdição
O segundo mais comprido
Que o primeiro, como a mão.

22
Depois disso, ó minha mágoa,
Só brinca de esconde esconde:
Já não quis mais pedir água
Na casa deste visconde.

23
Siá Rafisa, me diga
O que faço pra arrancá
Do meu peito essa urtiga,
Pra dessa paixão me livrá?”

24
A cigana reparou
Nos olhos do capiau
Botou cartas e apontou
Um modesto dois de pau.

25
“Hóme,” disse a cigana,
“Tá escrito aqui tão claro,
E essa carta não me engana,
Que não vou nem cobrar caro.

26
A coronelinha vai
Beber água em sua palma
Mas num posso dizer mais
Pelo bem da minha alma.”

27
O matuto se afastou
Semeado de esperança
E pra sua forja voltou
Terminada a sua andança.

28
Uma semana passada,
Voltou ele galopando,
Parecendo alma penada,
E chegou logo gritando:

29
“Siá Rafisa, bota a sorte
Que quero o dia saber
E a hora da minha morte
Para o quanto vou dever

30
Porque de hoje não passo:
A moça veio beber
Da parma deste palhaço
Mas foi de tanto sofrer

31
No momento do trespasso.
Caminhou mais de três légua
Sangrando quase sem trégua
Pra vir morrer no meu braço.

32
Baleada no pulmão
Por um pretendente em mágoa,
Morreu bebendo da água
Da parma da minha mão!”

FIM

12/07/2001