segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
Romance da menina que não chorava (Cordel de autoria de Guilherme de Faria)_
1
Neste trecho do mundo,
Aquém das franjas do mal,
Aqui, num vale profundo
Vivia um pobre casal
2
Que só queria uma filha
Para completar a vida,
Já que o amor é uma ilha
Cercada e quase perdida
3
Num oceano de mágoas
De rancor e frustração,
Cujas ondas, cujas águas,
Ameaçam o coração.
4
Mas esse casal escolhido,
Por viver tão isolado
Parecia imunizado
Contra a inveja e o olvido.
5
Sua fé era o bastante
Pra consagrar o instante,
Apesar do aparente
Leito estéril em sua corrente
6
Assim, de tanta esperança
Nasceu afinal a filha
Como uma nascente ilha,
Abençoada criança.
7
A terra seca, inteira,
De repente florecia:
Mandacaru, macaxeira
Milho, feijão na bacia.
8
Rosamunda foi o nome
Com que o casal a batisou
E de rosa o seu renome
Para o mundo a que voltou
9
Pois o ser iluminado
Já devia ter vivido
Por esse mundo cansado
E o segredo ter sabido
10
De como viver a vida
E mesmo ter resolvida
A questão que colocamos:
“Quem somos? Pra onde vamos?”
11
E apesar de ser guria,
E só por isso tão pura,
Ela era uma mistura
De fé e sabedoria.
12
Ainda lenbram seus vizinhos
O dia em que sua cabrinha,
Que era tudo o que ela tinha
Morreu entre seus bracinhos
13
Sem que ela deplorasse,
E sem que a Deus indagasse
O porquê daquela morte,
Sem imprecar contra a sorte.
14
E ela mesma a enterrou,
Por sua mão, no terreiro,
Sem gemidos, sem berreiro,
Fato que o povo lembrou
15
Mais tarde, afinal, e quando
De todos se despediu
No final do mês de Abril,
Sorrindo e abençoando.
16
Esse ser feito de amor
Parece ter só vivido
O tantinho percebido
Entre a fé e o louvor.
17
Pra que o povo tão sofrido
Tivesse a emulação
De alguém ter conseguido
Só viver pra louvação.
18
Por isso o povo ainda lembra
E venera, cria a lenda
Da menina que sorria
Quando sua cabra morria.
19
Pois Rosamunda, a menina,
( ainda a trago na retina)
Iluminada e feliz
Como o povo sempre a quis,
20
Veio somente ao mundo
Pra ensinar a viver,
Que consiste num profundo
Sim à vida... e ao morrer
21
Teve o nome consagrado
Entre nós como santinha,
Só por não ter chorado
Uma só vez na vidinha.
FIM
28/11/2004
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