quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Romance do Padre Apaixonado


Cordel de autoria de Guilherme de Faria

1
Para quem aqui esteja
Uma estória vou contar
Contanto que a Madre Igreja
Não me vá excomungar

2
Havia um padre na aldeia
Onde vim e fui criado
Que não via coisa feia
Nem enxergava pecado.

3
Esse ser da Natureza
Tinha uma grande inocência
E olhos só pra a Beleza
Sem ver a maledicência.

4
Estava nos anos vinte
Mas sua sabedoria
Parecia um acinte
Pras velhas da sacristia.

5
Usava a batina santa
Mas com tal jovialidade
Que agora parece branca
Na memória da cidade.

6
Vivia sempre sorrindo
Com um ar iluminado
Mas logo se descobrindo
Que ele estava apaixonado.

7
Por quem ?... era o mistério.
Já que nunca foi flagrado
Com ninguém no batistério
Muito menos no sobrado.

8
Moças bonitas havia
Que lhe punham bom olhado
Não crendo a beataria
Que ele tivesse notado.

9
Mas havia quem notasse
Uma moça, sem alarde
Que teimava em confessar-se
Todo dia às três da tarde.

10
Deixando o confessionário
Seus olhos, como morma ços
Aqueciam o Calvário
Do Nosso Senhor dos Passos.

11
Esse namoro simplório
Se passava tão somente
Naquele genuflexório
Não podendo ir em frente.

12
O que falavam é mistério,
Não saberemos tão cedo
Que confissão é segredo
Que se leva ao cemitério,

13
Mas o olhar apaixonado
Não se pode esconder
Não passa sem ser notado
E costuma comover.

14
Como era seu destino
(Que a Igreja não nos ouça )
O padre num desatino
Resolveu fugir com a moça.

15
Não chegaram muito longe
Pois não tinham condução
E no meio daquele sertão
O hábito faz o monge.

16
Corriam pelo cerrado
Onde ninguém se esgueira
Pois é tudo avistado
Por mais que não se queira.

17
Um povo de invejosos
Chefiado por beatas
Cercaram os amorosos
Bem perto das cataratas,

18
Numa zona de restinga
Sem que pudessem escapar:
De um lado havia a caatinga
De outro gente a espumar.

19
Só restando a outra espuma
Que se pudesse optar,
Procuraram de uma em uma
Complacência num olhar.

20
Mas, ai, que aquelas megeras
Brandiam foices no ar,
Acuando-os como feras
Não permitindo hesitar.

21
E como quem desatina,
Resolveram então saltar
De mãos dadas na neblina
Que havia no lugar.

22
Viu-se o sinal da Cruz Santa
Que o padre fez num momento
Depois o beijo que espanta
E que sela aquele evento.

23
Essa cascata do Norte
Ainda faz gente chorar,
Lembrando o salto pra Morte
Do desventurado par.

FIM

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