segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Romance do Cordelista (Cordel de Guilherme de Faria)
Romance do Cordelista
(Cordel de Guilherme de Faria)
1
Senhores, senhoras, povo:
Escutai minha oração.
Não é prece, não é novo,
Mas me vem do coração!
2
Pra me fazer entender
Depus pincel e paleta,
Voltei de novo a escrever
E me tornei um asceta,
3
Pois que para escrever
É preciso aceitar
Já não ter o que vender
E a pobreza acatar.
4
É preciso amar o verbo,
Com a palavra pintar,
Os quadros continuar
Num recurso tão acerbo
5
Pois as cores na escrita
Têm sua visão restrita
À pura imaginação
(se é que é restrição)
6
Agora sou cordelista
Mas como tal sou artista:
Pinto a vida e sua emoção,
Vou mais longe, na canção.
7
Viajo por esse mundão
Vasto do meu sertão,
Que eu não via tanto céu
Somente com meu pincel.
8
Ando com vaqueiro rude
Pela caatinga bravia,
Com as telas nunca pude
Perpetrar essa ousadia.
9
Vivo a vida das donzelas
E os amores que eram delas:
Coronéis, frades, bandidos
E desejos escondidos.
10
Sou um monge, sou palhaço
E passo a ser o que faço,
Com a pena a discorrer
Sobre o tema que escolher.
11
Percorro as terras do Norte
Que eu não via no ateliê,
Mas que agora a alma vê
Sem precisar de transporte.
12
Tenho toda a ventura
De viver tanta aventura
E pouco risco correr
De cruelmente morrer
13
A não ser de fome mesmo
Sobre a mesa do estúdio
Se houver muito repúdio
E faltar pão com torresmo
14
Se o povo não apreciar
O que tenho pra contar
Ou se não quiser pagar
Folheto de xerocar.
15
Sou pirata de mim mesmo,
A mim mesmo editando,
No xerox copiando
E vendendo meio a esmo.
16
Mas quanto prazer eu sinto
Isso eu confesso, não minto
Fazer o homem comum
Pagar por um simples pum
17
Mas da alma e seu delírio,
Por vezes branco qual lírio
Às vezes negro sombrio
Como um tenebroso rio.
18
E assim pedindo passagem
Aos meus novos galeristas
Não ratos de vernissagem,
Novos-ricos arrivistas
19
Mas àqueles a quem pena
Fala mais do que pincel,
A quem a imaginação plena
É livrada no Cordel!
20
Passei a viver profundo
Um novo ciclo de vida
Com todas as vidas do mundo
Com todo amor, toda lida,
21
Cavalgadas no sertão,
Batalhas por vã querência,
Um ferreiro e sua paixão,
A cigana e sua vidência.
22
Duelos de coronéis,
Princesas e seus anéis,
Amor paixão quase tudo
Eu posso viver sem estudo
23
Pois não preciso saber
Sobre o que vou escrever,
Pois esse é o mistério régio
De escrever por sortilégio.
24
"Não sabia que sabia!"
É com o que me defronto
Oposto à filosofia
"sei que não sei" e pronto.
25
Vou então finalizar
Para dormir e acordar
Neste perpétuo sonhar
Que não parece acabar,
26
Pois o que é o versejar
Se não um sonho acordado
Ou então dormir de lado
Para ao menos não roncar?
27
Deixem aos porcos o ronco,
Paulo Afonso no sertão
Ou pra quem serra tronco,
Ou onça sussuarão...
28
Mas estou já derivando
É melhor ir despedindo
Pois um sujeito é bem vindo
Quando chega e sai andando.
30
Assim fecho o escarcéu
Deste meu auto-retrato
Vamos pois fazer um trato
Deixa eu passar o chapéu
31
Que prometo vou embora
Pra quem já se desespera
Que lá em casa me espera
A santa da minha senhora...
FIM
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