domingo, 27 de abril de 2008

Romance do Cunhado Inesperado (Cordel de Guilherme de Faria)



1
Seu moço, me dê atenção
E me deixe completar:
Não dá pra pedir a mão
Pois acabo de casar.

2
Sua irmã tá bem feliz
Pode até lhe perguntar
Quase fujo por um triz
Mas resolvi assinar

3
O livrão preto, cê sabe,
Com tudo o que ele implica:
Amor que nunca se acabe,
Fidelidade ou arnica.

4
Portanto aceite este fado
E me tenha por cunhado
Pois tudo no mundo é grotesco
Tal qual esse parentesco:

5
Minha mãe não me pariu,
Meu pai prefere a cachaça
Então fez que não viu,
Mas suspeito de uma farsa.

6
Fui recolhido na porta
Sem fralda e sem chupeta
Não fui colhido na horta
Mas com riso e sem careta.

7
Quem teve tal genitora
Pode a mulher respeitar
Não precisa ser doutora
Basta nela confiar.

8
Tô preparado, contudo,
E sei que o moço é bem bravo
Se tiver que melar tudo
Prefiro açúcar mascavo

9
Quer dizer, não me constranjo
De poder passar por anjo:
Se tiver que duelar
Deixo o moço me matar.

10
Não vou pra lua de mel
Em cima de sepultura
Sua irmã é moça pura,
Só casamos no papel.

11
Por isso, moço, abençoe
O amor deste casal
Por mais que isso lhe doe
E não seja o ideal.

12
Sou pobre, mas violeiro,
Meio analfa, mas poeta;
Descrente mas bom romeiro,
Hedonista, mas asceta.

13
Se o senhor deixar de lado
Esse rancor e a pistola
Prometo ser bom cunhado,
Mas não demais, como a esmola.

14
Mas vou pegar na enxada
Entre coco e parcelada
Plantar feijão, plantar milhos
Entre repentes e filhos.

15
Vou cuidar da filharada
Como cuido dos meus versos
Burilando, sem porrada,
Respeitando os universos

16
De cada um, como manda
Razão e sabedoria,
Preparando pra demanda
De repente e cantoria.

17
Por isso, bravo cunhado
Lhe peço pra me aceitar,
Pois me abri de bom grado,
Com tão pouco a apresentar.

18
Mas se o senhor tá zangado
E não aceita um artista,
Repare que até o Fado
É jogral e equilibrista.

19
Na vida, meu bom cunhado
Não se vai a ferro e fogo
E o senhor já tem matado
Até em mesa de jogo.

20
A coronha do doutor
Já tá toda picotada
Deixando a mão do senhor
Até meio calejada.

21
Por isso ouso pedir
Que o desagrado releve
Que garanto vai sentir
Sua alma bem mais leve.

22
Sua irmã, a duras penas
Tem-lhe respeito demais
Casou por um beijo apenas,
Adiando o tudo mais.

23
Então aqui nos achamos
Co’esse berro em nossa testa:
Abri as cartas, jogamos,
Não esperava uma festa.

24
Mas se no fim eu lograr
Seu coração abrandar,
Vou dedicar-lhe um cordel
Em plena lua de mel!


FIM

26/05/2006

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