sábado, 15 de novembro de 2008
Romance do Laço de Amor Eterno (cordel de Guilherme de Faria)
Romance do Laço de Amor Eterno
Cordel de autoria de Guilherme de Faria
1
Tô indo pro São Francisco
Com rapadura e feijão
Para um comércio sem fisco
Que sobrou neste sertão.
2
Amunte aqui ao meu lado
Neste primeiro jegue
Que a tropa inteira segue,
Que tá mais aliviado.
3
Como é que um adoutorado
Como o senhor tá aqui
Parecendo desgarrado
Desnorteado de si?
4
Vou lhe dizer, cumpadre,
Que quando vi vosmecê
Na frente me aparecê
Fiz até “creio em Deus Padre”.
5
Vendo essa fatiota,
Braboleta no pescoço
Pensei que ia ter um troço
E pisquei feito idiota.
6
Como é que por aqui anda
Home de estirpe fidalga
Perdido aqui nesta banda
Que o calor e o medo salga?
7
E o candidato a presunto
É inté um professor...
De quê, se mal lhe pregunto?
De estória, ah! Que primor!
8
Vosmecê podia contá
Arguma pra começar,
Que tou tão necessitado
De estória pra me arejar!...
9
Do lado do Chico, atrás
Tem um cantador afamado.
Não pára quieto, coitado
Coiendo estória demais.
10
Vevi correndo o sertão
Onde estória é um fartão.
Pra quem é do ramo, então?
Mas contá é que é a questão...
11
Se nomeia João Jiló
E sem perguntar se quero
Me contou um caso vero
De horripilar fiofó.
12
O senhor me escute então:
Pois havia um coroné
Grão-Chefe deste sertão
Que tinha uma fia muié.
13
Queria que ela casasse
O mais depressa e mudasse.
Deixava ele preocupado,
Que olhava demais pros lado.
14
Seu nome era Meluzina
Mas chamada Luzinete
Que esse nome de vedete
Soava meio de gringa
15
Por causa dos óio azul
Que o povo nunca viu tanto
Bonita como um espanto
Se olhada de norte a sul.
16
Até que chegou um dia
Por ali pra trabaiá
Um peão sem moradia
Mas bonito de estranhá.
17
De oio azul combinando
C’os da moça patroinha,
Língua de gringo falando
Sabendo mais que a gentinha.
18
Em terra de cego quem
Aquele oio azul tem
Não é rei mas causa inveja
No que olhe dentro e não veja.
19
Foi, que bateu na entrada
Aqueles oio azulado
Saiu faísca pros lado
E a paixão fez sua morada.
20
Logo junto o par fugia
De noite, muntando até
Da cavalhada o filé,
Que modéstia não havia.
21
Que já tando desgraçado
Era melhor jogar arto,
Que quem lhe ia agarrado
Merecia muito trato.
22
Mas num chegou muito longe
Que o coroné atiçou
A jagunçada e cercou
Os noivos sem véu nem monge.
23
E o cerco que prometia
Fumaça e bala adoidado
Se esvaiu silenciado,
Que era o que se temia...
24
Nem um pio de bacurau
Nem grito de sariama:
Um silêncio sepulcral
Que a Natureza reclama,
25
Pois num outeiro cercado
Pendia junto, enforcado
Na mesma corda, enlaçado,
O parzinho malfadado.
26
Foi tão difícil soltá
Aquele laço apertado
Que o pai desesperado
Resolveu junto enterrá.
27
Pru mode seu coração
Pedir decerto perdão
De tanto sofrer em vão,
Pra nada, ou pior: pro chão.
28
Não se esperava o desfecho,
Que até mais de um peão
Ficou ali nesse trecho
E nem voltou c’o patrão,
29
Meditando nesta Vida
E na Sorte que nos pune
C’o mesmo laço que lida
Com a Morte que nos une!
FIM
13/07/2002
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário