domingo, 22 de março de 2009

Romance do Galo(cordel de Guilherme de Faria)


Capa do folheto Romance do Galo, com xilogravura de Guilherme de Faria


1
Vou contá agora um causo
Que ninguém mais qué contá
Decerto devido ao descauso
Do pouco assunto que dá.

2
É que o pobre do Zequinha
Cismava de pé ou sentado
Ciscando sempre, coitado,
No terreiro com as galinha

3
Cutucando co’a varinha
Talvez de desenfastio
Ou pra dá ao tempo linha
Pra poder pegar o fio

4
A taperinha caiada
Já tinha sete menino
E a muié sempre embuxada
Cum mais um que tava vino.

5
Haverá de acontecê
Arguma coisa uma hora!
Num era possíve sê
Só essa vida caipora.

6
De repente observô
O galo naquele terreiro
E desta vez de primeiro
Muito inté lhe adimirô.

7
No meio da área vazia
Ele mantinha imponência:
Seu brio num esmorecia
Do harém tinha tenência.

8
Sempre de peito estufado
A crista muito vermelha
Barbelas de macho safado
E penas da cor da telha.

9
Parecia estar posano
Sempre e sem descanço
Se exibindo desfilano
Até c’um passo de ganso.


10
No calor desse terreiro
Quar bigorna de ferreiro
Onde nem inseto havia
Esse galo se exibia.

11
Zequinha então entrô
Na taperinha um instante:
Debaixo da cama tirô
Uma mala c’um barbante.

12
Era a mala do casório
Co’a Dasdô, coitada,
Que há muito tava encostada,
Do tempo do suspensório.

13
Pegô o terno de risca
Camisa de colarinho
Gravata sem deseínho
Vermeia que os óio pisca.

14
Vestiu o terno e a gravata
De casimira barata,
Amassada em desalinho
Que ele esticô um pouquinho.



15
Quando botô o lenço
Branco naquele bolsinho
Desse terno azul marinho
Foi ficando meio tenso.

16
Aí empinô o peito
E tava quase ino embora
Quando viu o par de espora
Pendurado junto ao leito.

17
Afivelô nas botina
De modo meticuloso
E assim todo garboso
Se sentindo gente fina

18
Se ergueu em toda linha
Vortô a empiná o peito
Foi saino sastifeito
Atravessando a cosinha

19
Cum as espora tinindo
Tava macho, tava lindo
Andando sem se voltá
Os óio sem desviá

20
Viu a sua Dasdô
C’o Junio no colo em riba
Da sua grande barriga
Mas por ela ele passô

21
Enquanto aquela turminha
Das criança na cozinha
Abria uma gritaria
Saudando essa alegoria.

22
E o Zequinha foi pisô
No terreiro e então andô
Pra frente sem se vortá
Sem nem em vorta oiá

23
E garboso caminhano
Tinindo aquelas espora
Foi o campo atravessano
Visíve por uma hora.

24
Até que o vulto distante
Naquela linha ondulante
Que o calor reverbera
Em vorta daquela tapera


25
Foi ficano meio vago
Até sumí por encanto
Para aquele meu espanto
Que ainda no peito trago...

FIM

05/02/2003

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