domingo, 22 de março de 2009

Sonetos da Sertaneja (de Guilherme de Faria)


capa do folheto de cordel "Sonetos da Sertaneja", com xilogravura de Guilherme de Faria


Sonetos da Sertaneja
(de autoria de Guilherme de Faria)


Soneto do amante rarefeito

1
De moça eu tive um amante
Agora já tão distante
Que o cisco do seu olhar
Já não consigo lembrar.

Do seu peito a caixa preta
Que guardava o coração
Perdeu-se sob a marreta
Que destruiu meu porão.

A coluna ta faltando
E o quadril eu nunca vi
Mesmo quando tava amando

Quanto à flauta da canela
Tô dando por falta dela
Que a embocadura eu perdi.



2
Outrora, se me recordo
Fiz co’o diabo um acordo:
Amores que nunca morrem
Dinheiro, paz, nessa ordem

Mas a paz, por derradeira
Foi que perdi de primeira
Pois um amor duradouro
Brilha bem mais que ouro.

E um amor encontrei
Que até ouro eu desprezei
Dando-o a ele quase inteiro

E o resto, que guardei
Nunca mais eu avistei,
Que os enterrei no terreiro.



3
Amores, sonhos, casinha
Crianças correndo em volta
As panelas na cozinha
Uma vida sem revolta,

É tudo o que eu sempre quis
No tempo da escolinha,
E escrevi no quadro a giz
Quando isso ainda tinha.

Mas minha professorinha
Não corrigiu uma linha
E esqueceu de me ensinar

Que amores, sonhos, casinha
Eram coisas que eu já tinha,
Só podia abandonar...




Variante do Soneto do Amor Rarefeito

4
Tive um parceiro dileto
De quem guardei o esqueleto,
Tinha um cisco no olhar
Que isso não pude guardar.

Tinha um furinho no queixo
Do qual eu nunca me queixo
Conquanto ficou no chão
De areia do chapadão.

Quanto ao resto do amante
Está faltando o importante:
O osso do seu quadril

Que em vida nunca faltou
Ao osso do meu, servil,
Que sempre subjugou.




5
Encontrei o meu jagunço
Numa festa de furdunço.
A noite toda beijou-me,
De manhã abandou-me.

Passado um ano ou mais
Ele voltou, veio atrás
De um beijo que faltou
E assim que me viu cobrou.

Agora eu o sigo direto
Embora, infeliz , tenha o veto
De toda a jagunçada,

Andando distante uma légua
Atrás da tropa, montada
Na pobre da minha égua.




6
Atravessei minha vida
Como a esse chapadão,
Com pouca água e comida
Senão as do próprio chão.

Raízes, pó, macaxeira,
Coisas duras de roer,
Os sonhos que nem peneira
Sob a água do viver.

Mas qual boa garimpeira
Recolhi na minha batéia
Uma pepita lampeira

Que iluminou minha vida
Como se eu fosse uma atéia
Amorosa, fiel, atrevida...




7
Venho por essa caatinga
Desde longe, noutro mundo
Onde havia uma restinga
À beira de um rio fundo.

Abandonei o meu rancho
Que era qual paraíso
Por ter perdido o juízo
Por causa de um pobre Sancho

Que nem tinha o Don Quixote
(por esse eu não correria
nem atrás do meu dote)

Que de maluca já basta
Esta pobre parceria
Que no deserto se arrasta.




8
Encontrei o meu destino
Numa festa de Chegança
Não plantei, não fiz criança,
Não foi Festa do Divino.

Sete anos só de zona
Na cidade de Ouro Fino,
Outros tantos pra ser “Dona”
Que eu só era “a do Rufino”.

Rufião é o que ele era
E gostava de bater
Pois que nisso ele era fera.

No final, depois de um tiro
Arrependeu-se ao morrer,
Ao que muito me refiro.




9
Eu nunca avistei o mar
Mas faço dele uma idéia:
Um lagão a se agitar
Tremendo que nem geléia.

Um bando de peixe escarlate
E um peixão muito feroz;
À borda, feito arremate,
Renda branca de retrós.

Eu prefiro imaginar
Que tenha coisas mais finas
Sem sair do meu lugar

Pois prefiro nunca vê-lo
Se tiver que deixar Minas
Ou ir além de Curvelo.

FIM

03/08/2004



Sonetos da Sertaneja II
(de Lima Duarte- MG
Versos de Guilherme de Faria)

Em Lima Duarte vim
Duartina me criei:
Me apaixonei, ai de mim!
Por alguém que virou frei.

Na rua da Prefeitura
Namorei, sentei na praça;
Sou mineira, moça pura,
Não neguei a minha raça.

Fiz das tripas coração,
Nos seus votos o meu véu
Não era de contrição

Pois na Rádio Cascavel
Dediquei-lhe uma canção
Que falava do meu mel.




Sonetos da Sertaneja II
(de Lima Duarte- MG
de Guilherme de Faria)

2
Nasci em Lima Duarte
Nunca quis sair da toca
Sou mineira e dest’arte
Nem conheço Ibitipoca.

Já que sou zona da Mata
Não me mata de vergonha,
Não queira me pôr na zona
Que assim ocê me mata.

Respeite meu sentimento
Que sou só de dar broinha
Não tenho arrependimento.

E morando em Paradinha
Não mudei, não me dei ares
Na Francisco Valadares.



Sonetos da Sertaneja II
( Dos Sonetos da Paradinha, Lima Duarte,
de Guilherme de Faria)

Quem me vê assim quietinha
Nesta rua em Paradinha
Se espanta que eu não me queixe
Das Dores do Rio do Peixe.

Mas é que a Nossa Senhora
Que é a dona dessas dores
Vela pela minha hora
De sorrir pros meus amores.

Assim eu vivo a vidinha,
Conformada, na aparência,
Mas por dentro uma rainha

Que espera o seu patrono,
Paciente, sem urgência,
Pra retornar ao seu trono.

FIM

05/08/2004

2 comentários:

Ary disse...

Olá!
Sou estudante de um curso de pós-graduação em artes visuais e vi seus trabalhos em um site de um leilão.
Estou desenvolvendo uma pesquisa e o tema que eu estou desenvolvendo é o universo feminino. Será que voc~e pode me falar mais sobre seu trabalho? Os temas, técnicas, tudo o que envolve o seu fazer artístico.
Obrigada e aguardo sua resposta.

Guilherme de Faria disse...

Prezada Ary

Obrigado por seu comentário. Cliquei em seu nome que me remeteu a um blog ainda não ativado. Como você não deixou seu e.mail não tenho como lhe responder adequadamente. Mas devo lhe comunicar que meu trabalho foi amplamente difundido por 47 anos. Basta você botar "Guilherme de Faria" (assim, entre aspas) na pesquisa Google e você encontrará farto material sobre o meu trabalho, principalmente como gravador (litógrafo).
Além disso você poderá ver mais de uma centena de pinturas minhas (óleo sobre tela) de diversas fases da minha carreira, no blog
www.pinturadeguilhermedefaria.blogspot.com

Se quiser saber mais, envie-me um e.mail para
guilhermedefaria@gmail.com

Terei prazer em responder quaisquer perguntas. Sugiro que faça um questionário em forma de entrevista.
Abraços do
Guilherme