quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
Romance da Encantada (cordel de Guilherme de Faria)
Companheiros ou A Encantada- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 50x50cm, coleção particular, São Paulo, Brasil.
1
Agora vou exaltar,
Tecer loas e glosar
Primeiro a quem de direito,
De muito pouco defeito.
2
Havia no Catolé
Um vaqueiro iluminado
Que era também José
Como tantos a seu lado
3
Mas que conseguiu comprar
Para si uma vaquinha
Daquela tropa inteirinha
Que ele tinha de tocar.
4
Mas isso era novidade,
Não se vendo até ali
Um vaqueiro de verdade
Com uma vaca de si.
5
Era muito descarnada
E não se sabe porquê
Batizada de Encantada,
Difícil até de se ver
6
Mas fácil de distinguir
Porque tinha um anu
No lombo como urubu
Que só mais tarde há de vir.
7
Era a mais bichada e seca
Daquele grande curral
Do coronel Fonseca
Um patrão quase normal.
8
Não criava ou dava leite
(tô falando da Encantada)
Co’a magra teta de enfeite
Como prega pendurada.
9
Mas o José recebeu
Uma carta de um irmão
Lida até pelo patrão
E que muito o comoveu
10
De que sua mãe é morta
Caída no chão da horta
E que o irmão desejava
Que depressa ele voltava.
11
José então decidiu
Sua vaquinha apartar
E pra sua terra partir
Antes que fossem secar
12
Longe da terra amada
Comendo da horta alheia
Chorando água emprestada
Não chegando nem de “a meia”.
13
Pediu a conta ao Fonseca
Pagou o que não deveu
Como o tributo da seca
(Só então se apercebeu...)
14
Mas decidiu relevar
Para poder escapar
Desse destino ilusório
E não faltar no velório.
15
Sem um troco no gibão
Que ele conseguiu manter
Tratou de se escafeder
No rumo desse sertão.
16
A vaca que lhe restava
E que escapou da patranha
Foi ficando meio estranha,
Trambecando, se arrastava.
17
No meio da caatinga
Já o anu a abandonava
Que agora um urubutinga
Na cacunda lhe pousava.
18
E deram co’a forma intrusa
De um tipo de um romeiro
C’uma capa de bombeiro
Vermelha e abstrusa,
19
Que saudando c’ um cajado
Que parecia um forcado
Botou preço na Encantada
Invertendo sua cartada.
20
O José levou a mal
Uma tão grande intrusão,
Que, por sua decisão,
Não deixava o animal.
21
E ele havera de vender
A boa daquela vaquinha,
Depois de tanto sofrer
E sendo tudo o que tinha?
22
Então logo o despachou
Que lhe acenava o romeiro
com um rolo de dinheiro
Que ele agora desprezou.
23
E fazendo o vade-retro,
(que não mais o enganava),
Só faltando meio metro
Ele quase o esfaqueava.
24
E seguiu com a Encantada
Mais um dia na chapada
Até que a pobre ajoelhou
Co’as “mão” da frente e rezou
25
A reza lá dela, é claro,
E morreu sem um mugido
De suspiro, fato raro,
Aos santos atribuído.
26
O José só não enterrou
A amiga, porque o chão
Era tão duro, era tão,
Que nem buraco aceitou.
27
O vaqueiro então fez
Uma prece e agradeceu
A dádiva daquela rês
Que a vida lhe ofereceu
28
Co’aquele ser puro e claro
Que o tinha conduzido
( também outro fato raro )
Por um caminho comprido
29
Mas limpo e descomplicado,
Cheio da singeleza
Das lembranças de beleza,
De um vaqueiro destinado.
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