sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Romance do Palhaço (cordel de Guilherme de Faria)



Romance do Palhaço
(cordel de Guilherme de Faria)



1
Chegou nesta região
vindo de lá do Catende,
um pobre circo mambembe
que percorre este sertão.


2
Com a lona costurada
de mil remendos, armada
como colcha de retalhos
pra não dizer de frangalhos.

3

Este circo, diz o povo,
deixa no rastro a desgraça
mas é coisa de invejoso,
que o povo aceita de graça.


4
O cortejo entrou saudado
pelo amor da criançada
e pelo povo encantado
que não poupou gargalhada.


5
O desfile dos palhaços
pela única ruela
da nossa vila amarela
roída pelos mormaços


6
Foi acontecimento
único e memorável
desde o meu nascimento
nesta vila deplorável.


7
Pois no meio do desfile
havia, vinda do Chile,
uma linda bailarina
vestida de Colombina.


8
Na rua ela saltitava
de tiarinha na testa
fazendo da vida uma festa
por onde ela passava.


9
Com o seu olhar brilhante
flertava a todo instante
com os matutos na calçada
enquanto ela desfilava.

10
Dolores De Sierra Madre
de tocar ainda tinha
o coração do bom padre
da nossa pobre igrejinha.


11
O padreco até então
era um moço impecável
dedicado á religião
de um modo admirável.


12
Mas a moça deu de entrar
na igreja de saiote
e pediu pra confessar
“con el alma en un garrote”.


13
O padreco, perturbado
com a visão da beleza
mandou de volta o “pecado”
pra que voltasse “ pureza”.


14
Foi só então retornar
do seu carroção a chilena
que no meio da novena
o padre já estava a suar.


15
O que a moça confessou
com tanto arrependimento
não sabe nem o escritor
que lê o seu pensamento.

16

Pois se alguma coisa for
mistério sem solução,
uma é a Confissão
outra será o Amor.


17
Mas depois da confissão
o padre saiu da igreja.
Não foi visto desde então
nem na hora da cerveja.


18
As beatas numa grita,
na sacristia, em coro,
exigiam seu decoro
e a expulsão da maldita,


19
quando o padre deu entrada,
para espanto das coitadas
com a batina picotada
e as faces brancas, caiadas,


20
Uma lágrima pintada
de preto e o nariz vermelho,
a boca muito alargada
e a calva como um espelho.


21
Ser reconhecido havia
só depois do susto e meio
daquela beataria
que já gritava sem freio.


22
O padre por elas passou
e bem defronte, na praça
abrindo os braços saudou
como num final de farsa.


23
E entrando no carroção
zarparam depressa, então,
como a nau da insensatez
desatracada de vez.


24
O povo a lenda incentiva,
mas eu perdi, desconfio,
o rastro da comitiva
ali na curva do rio,


25
Quando aquela retirada
vinha sendo acompanhada
pelo olhar deslumbrado
da criança retornada


26
que eu me tornei desde então
vendo aquela colombina
abraçada a uma batina
na porta de um carroção.

FIM

26/07/2001

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