sábado, 25 de outubro de 2008
Romance do Avarento (cordel de Guilherme de Faria)
1
Esta é a estória
De um cidadão avarento
Negando a todo momento
E vivendo de vanglória.
2
Mas tinha filosofia
Que até hoje desafia:
“Antes ser, não parecer
Do que parecer e não ser.”
3
Só que o pobre equivocado
Parecia se orgulhar
De viver depauperado
De tanto só poupar.
4
Seu nome era sêo Zuza
E era um bom açougueiro
Também bom pai, e caseiro,
Nada de vida confusa.
5
Não deixava faltar nada
Que fosse fundamental
Mas desde que a filharada
Se limpasse com jornal.
6
Usava o Diário e a Folha
Que não lia no banheiro
Já que não usava rolha
E papel custa dinheiro.
7
Quando uma filha, a Eliana
Lhe pedia guaraná:
“ Bebe leite, sua estróina
Que é mió e não faz má!'
8
Nunca quis forro e forró
Só pra economizar,
Mesmo que caísse pó
Na panela a cozinhar.
9
Também não acendia vela
Para santinho no altar
Pois vela queima e revela
Tendência a se gastar.
10
Era de lenha o fogão
Com a pilha no quintal
Com direito a escorpião
Que ele matava a pau.
11
Assim, a sua mulher
Pilotou a vida inteira
Fogão a lenha e peneira
Pilão e nenhum talher.
12
A sua "tenção" na vida
Até parece coisa vã:
Não caísse na comida
Só aquele “picumã”.
13
Nunca teve geladeira
Nem mesmo televisão
Pois “é caixa gastadeira
De vista, tempo e emoção”.
14
Colchão era de capim
“Que é barato e anatômico.
Basta ver que o burrim
É bicho muito econômico”.
15
Por isso não tinha carro
E muito menos charrete
“Em andar a pé me amarro
E também não pago frete.”
16
Assim passaram-se anos,
A filharada cresceu
E ao menos aprendeu
A ler com os pobres ânus.
17
Depois de tudo casado
Concertou o seu portão
Já que o fecho tão forçado
Já não ia ser então.
18
Viveu a vida à mingua
De medo de privação
Nunca pecou pela língua
E também nunca abriu mão.
19
Quando morreu foi chorado
Com alívio e emoção
E mais depois de encontrado
De dinheiro a coleção,
20
Pois guardou para o Coveiro
Debaixo do colchão,
Que serviu pr’um bom enterro
Num bonito d'um caixão.
FIM
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