segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Romance do Diabo da Borda da Mata


(Cordel de Guilherme de Faria)


Na Borda da Mata, sem rumo
Malvino vivia a vida
Pois não recuperava o prumo
Que lhe dava a falecida.

O viúvo inconsolável
Candidato a suicida
Achava quase impensável
Mudar seu tipo de vida.


Perto de um desfecho trágico
Surgiu no fundo do espelho
Uma espécie de Mágico
Sem cartola e sem coelho.


Viu depois o homem, na feira,
Que não lhe disse palavra.
Durante a semana inteira
Sentiu que o vigiava.


Até que num impasse
Na borda daquela Mata
Encontrou-se face a face
Com aquele diplomata.


Que afinal disse a que veio
Usando telepatia
Trazendo por esse meio
O recado da Maria.


“Malvino,- ela ditava-
Vou tirar você da bosta.
Mas pra isso precisava
Vender o que você gosta.


Aceite qualquer dinheiro
Pelo sítio e a capela
E como esse cavalheiro
Bote um cravo na lapela.


Mas que seja de alfaiate
O terno que ocê arremate
Com o resto faça um lance
Naquele Clube da Chance.


Vou lhe soprar um número
Bem defronte da roleta
Você jogue nesse número
Não deixe que outra se meta,


Porque vão lhe dar palpite
Só querendo comissão
Por isso não hesite
E não ouça uma outra não.”


Malvino se viu cercado
Bem na frente da roleta
Pois de fichas carregado
Atraía borboleta.

Foi então que ouviu por dentro
Instrução onde jogar
Todas as fichas no centro
E o 6 para começar.


A bolinha então correu
Pipocando de lugar
Malvino quase morreu
Vendo-a no 6 parar.


Três vezes no 6 jogou
Três vezes o 6 ganhou.
As mulheres se espremiam
Para ver se com ele iam.


Só faltou subir no pódio
Cercado pelos dois vices
Chamados: Inveja e Ódio
Seguido das Sovinices.


A riqueza lhe grudou
Depois que estourou a banca
De tanto que prosperou
Sua cabeça ficou branca.


Tendo sido abandonado
Por todos, desesperado
Encontrou-se com o tal
Bem no fundo do cristal.


Com o cabelo cor de prata
Parecido com o seu,
O Famoso Diplomata
Afinal apareceu


E lhe disse com voz grave
“Malvino, apesar do entrave
Que a sua alma produz
Maria ainda lhe conduz.


E quer lhe dar refrigério:
Com seu terno de alfaiate
Vá até o cemitério
Com um cravo, de arremate


Na lapela, como outrora
De manhã antes da aurora
E diante da lousa fria
Você verá sua Maria


Trazendo nova instrução
Que lhe servirá de guia
Pra recuperar o tesão
E salvar sua alegria.


Assim, seguindo os mandados
Logo que a aurora chegou
Era dia de Finados
E o Malvino se finou.


O corpo foi encontrado
Em cima da laje dura,
Mais duro que rapadura
E de dinheiro cercado.


O povo que então chegava
Sitiou nosso janota.
Disputou nota por nota
Da pilha que o cercava.


Mas o que mais me dá dó:
Sem o terno de alfaiate
O corpo nú, de arremate
Um cravo no fiofó!
FIM

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