segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Romance da Dupla Sertaneja, ou A Valsa de Mefisto (cordel de Guilherme de Faria)
Romance da Dupla Sertaneja, ou A Valsa de Mefisto
Cordel de autoria de Guilherme de Faria
1
Agora vou arriscar
Pois é risco, sem engano,
Uma estória de lascar
Com um final faustiano.
2
Os irmãos Malta e Maltinha
Formavam dupla famosa
Cantadores de Serrinha
Com carreira gloriosa.
3
Eles eram excelentes
Na parcela e nos repentes
Martelo, galope e “tropel”,
E ainda faziam cordel.
4
Mas sendo gêmeos os irmãos
E tocando a quatro mãos
As gentes desconfiavam
Que o pensamento trocavam.
5
Que a perfeição do repente
Com respostas afiadas
Se devia a uma só mente
Com as violas trocadas.
6
Isso os aborrecia
E levava a um impasse
Que é que o povo queria?
Que simplesmente um errasse?
7
Nasceram ressentimentos
Que os tornavam esquisitos
E mesmo “arrependimentos”
Que os punham muito aflitos
8
Perdiam o amor do povo
Mas o que era ruim de ver:
Perdiam como um estorvo
O que é pra devolver.
9
Até que numa peleja
Na Usina Fé Dourada
À saída , na cerveja,
A dupla foi abordada.
10
Um sujeito mediano
Com um tipo de italiano
Jeitoso como um ministro
Mas com algo de sinistro.
11
Seu nome : Antônio Mefisto,
(disse na apresentação),
No meio da testa, um cisto
Que chamava a atenção.
12
Começou por proclamar
Enorme admiração
Pela dupla em seu cantar
Fosse compreendida ou não.
13
Convidou-os sem agenda
Para o acompanhar
A uma festa em sua fazenda,
Que estava pra começar.
14
Hóspede a dupla seria
Contratada na surdina
Pra fazer a cantoria
Para “gente molto fina”
15
Aceitaram encantados
Vendo o rolo de dinheiro:
Tinha dólar e cruzeiro
À escolha dos convidados.
16
Prometia muito mais:
Restaurar-lhes o prestígio
Gravando em trinta canais
CDs e fitas de vídeo.
17
O nome de cada irmão
Seria reintronizado
No pedestal do Sertão,
Assim imortalizado.
18
A glória lhes sorriria
Bastando que fosse o agente,
Empresário do repente,
Que antes “planejaria”.
19
Entraram num carrão
Com as violas e tudo.
O motorista, um negrão
De apelido “Veludo”.
20
Durante aquele trajeto
Antônio falou do projeto:
Cantarem certa poesia
De sua própria autoria.
20
Mostrava, desinibido,
Seus versos àqueles dois.
Malta olhou constrangido,
Passou a Maltinha depois.
21
“Seu Mefisto,”- disse Malta-,
Talento ao senhor não falta,
Seus versos merecem louvores,
Mas são um pouco amadores...
22
Se um retoque a gente dá,
Um pouco aqui e acolá,
Não ficava nada mal
E quase profissional.”
23
“Nem pensar"-disse Mefisto-
“Assim não posso aceitar,
Eu quero que cantem isto,
Do jeito que se encontrar.
24
Que os meus versos respeitem
E seus errinhos aceitem,
E, sobretudo, isto:
“A Valsa de Mefisto”.
25
“Que o título sugestione
Bem claro sua autoria.
Pois preciso que impressione
Uma moça, e ela sorria.”
26
Os dois então suspiraram
Com os ares conformados
Daqueles que nunca pensaram
Em se ver assim comprados.
29
Chegando naquela fazenda,
O festão já começado
O patrão que era uma lenda
Nem tinha sido esperado.
30
Mamulengos e Cheganças
Já estavam encenando
E dezenas de crianças
Olhavam rindo e gritando.
31
Tinha até um povo chique
Chegado da capital
Mulher tendo chilique
E homem bancando o tal .
32
A dupla já notara
Aquela moça em questão
Pois beleza é coisa rara
Mormente naquele sertão.
33
Então chegou o momento
De apresentar o evento:
Um poema produzido
Por alguém desconhecido.
34
Começaram dedicando:
“A uma linda mulher
Que presente aqui estando
Um coração faz bater.”
35
Coçaram as suas cacholas
E afinando as violas
Anunciaram com isto:
“Eis a Valsa de Mefisto”!
36
Iniciaram a cantoria
Mas ainda nos começos
Tiveram alguns tropeços
Devidos à autoria.
37
É que não havia jeito
De melhorar a ruindade
Havia mais que defeito,
Havia mediocridade.
38
De repente, com o esforço
Malta começa a suar
Leva a mão ao pescoço
Seu coração quer saltar.
39
E caiu então pra frente
Em cima do violão
Com estrondo diferente
Parecendo uma explosão.
40
Foi confusão da brava.
Em volta já eram tantos
Que nem mesmo agonizava:
Tava mortinho dos Santos.
41
Maltinha balbuciou
Com a viola pendurada
Como uma pedra pesada
E pra sempre assim ficou
42
Tocando como um monjolo
No hospício da Soledade
No Recife da saudade
Onde faz carreira solo.
43
Se essa estória lhes dói
Não se metam a dar palpite
Vão visitar nosso herói
Pois a Direção permite.
FIM
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