quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Romance da Milícia do Reino (cordel de Guilherme de Faria)


Romance da Milícia do Reino
(cordel de Guilherme de Faria)

1
Parecendo até chiar
Como chapa de fogão
A planura do lugar
Era só desolação.

Atravessando a caatinga
Uma fila desvalida
Cercada de urubutinga
Era de longe seguida

3
Por este seu cordelista
Que testemunhou o apelo
E até hoje o avista
Em sonhos de pesadelo.

4
Liderando aquele bando
Tava o vaqueiro Altamiro
Que tinha fama de mando
E de muito bom de tiro

5
No entanto carregava
Uma Bíblia empenada
E gasta, que ele ostentava
Brandindo como uma espada.

6
É verdade que o vaqueiro
Não a podia ler
Mas também é verdadeiro
O livro sagrado ser.

7
Altamiro virou então
E gritou pro povo em seguida:
“Gente, gente escolhida
E fiel do meu Sertão,”

8
“Deus me soprou o rumo
Da sua tropa leal.
É só não perder o prumo
Chegaremos no local.’

9
“Vamo então arrodiá
O cerro do Encantado
Até a porta encontrá
Do grotão acastelado”

10
“Onde no centro da Terra
Nosso rei Dom Sebastião
Tá preparando a guerra
Que trará a Redenção.”

11
“Ali na Sala do Trono
Ele esperando está
Esta milícia sem dono
Que a seus pés ajoelhará.”

12
“Então vamo se juntá
Às suas grandes hostes
Para a guerra começá
Pra isso chamados fostes.”

13
“Dom Sebastião cuidará
De instalar grande reinado
Em sua glória e será
Da Justiça o seu primado.”

14
“Pra isso vamo deixá
A nossa casca terrena
Quem me seguir verá
O rei no exílio, sem pena.”

15
Dizendo isso tirou
A luger da cartucheira,
À sua fronte apontou
E atirou bala certeira.

16
Seu corpo caiu pro lado
E a arma ficou no chão
Sob o olhar espantado
Mas sem grande comoção

17
Daquele povo bisonho
Que ficou ali parado
Sem nem parecer tristonho,
Apenas paralisado.

18
O livro santo jazia
No chão, meio respingado,
Um triângulo fazia
Para o corpo estacionado.

19
Foi então que um manquitola,
Segismundo chamado
Pegou o livro manchado
De sangue, mais a pistola

20
E botou-a na cintura
Enquanto brandia no ar
A sagrada escritura
Até o povo aclamar

21
Recomeçando a andar
Com o manquinho na frente
Num passo bem diferente
Todo mundo a balançar.

FIM
29/02/2003

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