terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Romance do papa-velório (cordel de Guilherme de Faria)



Romance do papa-velório

(cordel de Guilherme de Faria)

1
Pra esta platéia atenta
Não vou contar causo triste,
Mas um pra quem se contenta
Com pouco mais que um chiste.

2
Sei que a morte é causo sério,
Não gosta de quem co'ela brinca,
O riso logo se trinca
Quando diante do Mistério.

3
Freqüentava aqui o Empório
Um macabro empedernido
Chegado em defunto e velório
E de viúva o gemido.

5
Enterro, então? Prato cheio!
Para o Osório era um festão,
Que se punha ali no meio
Ou num’alça do caixão.

6
Depois, na beira da cova
Queria dar uma mão
Uma pá de terra nova,
Um berreiro e uma oração.

7
Mas sobretudo discurso,
Que nisto ele era mestre,
Embora das letras pedestre
E educado como um urso.

8
Foi então que nos morreu
O velho padre Tadeu
Envolto em sua batina
Branca como parafina.

9
Tinha fama de santinho,
Uma vida em castidade,
Nenhum fio de descaminho
Verdadeira santidade.

10
Ah! Lá estava o Osório!
O primeiro no velório
De terno preto o finório,
De gravata e suspensório.

11
Tudo de praxe correndo
Se não fosse a choradeira
Quando se abriu a torneira
Do besteirol tremendo.

12
Voavam pombos e flores,
Auréolas de santidade,
Nada de simples amores,
Mas Virtude e Castidade.

13
Mas não foi esse o problema,
Até aí, tudo bem...
Mas empolgado c’o tema
Osório foi mais além

14
E começou a contar
Suas próprias confissões
Para se vangloriar
Das tais absolvições

15
De que o padre era pródigo
E as modestas penitências,
Contrariando o código,
E nada de abstinências.

16
Logo a cidade inteira
Era toda desnudada
Não havia bandalheira
Que não fora perdoada.

17
Padre Tadeu pronto e presto
Perdoara até o prefeito
Em sua eleição de cabresto
E seu coreto malfeito

18
Que desabara c’o vento
E o relógio da torre
A girar como num porre
Parecendo um catavento.

19
Depois os vereadores
Todos eles grão-senhores
Numa aldeia de dores
Pobrezas e maus odores.

20
Quanto à nossa burguesia
(até aqui isso medra...)
Não sobrou nenhuma pedra
Dentro dessa sacristia.

21
Começou a revolta
Correria e empurrões
Até alguns palavrões
E a chegada de uma escolta

22
Para levar o Osório
De volta pro nosso Empório
Que ficou co’a triste fama
De urdir e jogar lama.

23
Desde então o “velorista”
(velador que desvelou)
Como que se aposentou
E só vive de entrevista

24
Quando chega alguém de fora
Vamos logo apresentando:
Esse é o nosso Osório
Que acabou com o velório

25
Do santo da nossa vila
Junto com a reputação,
Se não da população
Mas dos notáveis em fila.

26
Vocês perguntam, meus filhos,
Como o Osório conhecia
Os podres e os pecadilhos
Que por dentro acontecia?

27
É que o santo padre bebia
No nosso Empório e curtia
Contar pra nós os pecados
Dos poderosos e honrados

28
Que no domingo ajoelham
Naquele confessionário
Para abrir o relicário
Onde todos se assemelham!

FIM
14/12/2008

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