domingo, 18 de março de 2012
Romance da Vidência (Cordel de Guilherme de Faria)
Romance da Vidência
(Cordel de Guilherme de Faria)
1
Preparem a sua emoção
Para um caso do Destino
Vou usar todo o meu tino
Pra cantar sem violão.
2
Só preciso achar o tom,
Que a música deste poema
Cria seu próprio sistema
De silêncios e de som.
3
Havia nesta divisa
Uma cigana arretada
O seu nome era Rafisa
Parecia alumiada.
4
Tinha o dom da profecia
Mas, cassandra malfadada
Era sempre acreditada
Só depois que acontecia
5
Aí houve o incidente,
Que chegou no seu terreiro
Um capiau renitente
Que era um pobre ferreiro.
6
Vinha montado sem sela
E embora fosse cascudo
Era bonito e parrudo
Sem papos nem xurumela.
7
Rafisa (quase esquecia)
Era um pouco desgrenhada,
Também tinha a latumia
De uma Medusa da estrada.
8
Quer dizer: era bonita
E até muito faceira
Descontada a cabeleira
E a saia sarapintada.
9
O matuto desmontou
E tirou o chapéu de couro
Parou um pouco e olhou
Com aqueles olhos de mouro.
10
“Siá Rafisa, venho vindo
De muito longe, seguindo
A fama de vosmecê,
Queira pois me recebê.
11
Venho da Pedra Preta
Um raso onde num chove
Desde a noite do cumeta
Que ainda o povo comove.
12
Mas num vim pedir trovão
Que num é de sua alçada
É lance de coração
Ou de vida amargurada.
13
Me deixa entrá que lhe esprico
Siá Rafisa, ocê me escuta,
E se falo, não discuta
Que se calo, me comprico.”
14
Rafisa olhou o matuto
De cima a baixo e botou
A mão no colo e virou
Com aquele ar arguto
15
E na mesa da cozinha
Sem a bola de cristal
Sentou depois da voltinha
Com seu jeito sensual.
16
“Como digo a vosmecê
Ando muito agoniado
Duma paixão sem mercê
Por um sonho inalcançado.
17
Ela se chama Lazinha
E nem sabe que eu existo,
Filha do coroné Xisto
Tar quar uma princesinha.
18
Quando passa amuntada
Joga moeda no ar
Pra meninada catar
No meio da gritaiada.
9
Um dia chegou na frágua
Pedindo um pouco de água
Bebeu sem me oiá, pensei,
Ou fui eu que não oiei
20
A não ser, pro seu pezinho,
Carçado cuma alpercata
Fina, de ouro e prata
Mostrando aqueles dedinho
21
Que prestei muito sentido,
Para minha perdição
O segundo mais comprido
Que o primeiro, como a mão.
22
Depois disso, ó minha mágoa,
Só brinca de esconde esconde:
Já não quis mais pedir água
Na casa deste visconde.
23
Siá Rafisa, me diga
O que faço pra arrancá
Do meu peito essa urtiga,
Pra dessa paixão me livrá?”
24
A cigana reparou
Nos olhos do capiau
Botou cartas e apontou
Um modesto dois de pau.
25
“Hóme,” disse a cigana,
“Tá escrito aqui tão claro,
E essa carta não me engana,
Que não vou nem cobrar caro.
26
A coronelinha vai
Beber água em sua palma
Mas num posso dizer mais
Pelo bem da minha alma.”
27
O matuto se afastou
Semeado de esperança
E pra sua forja voltou
Terminada a sua andança.
28
Uma semana passada,
Voltou ele galopando,
Parecendo alma penada,
E chegou logo gritando:
29
“Siá Rafisa, bota a sorte
Que quero o dia saber
E a hora da minha morte
Para o quanto vou dever
30
Porque de hoje não passo:
A moça veio beber
Da parma deste palhaço
Mas foi de tanto sofrer
31
No momento do trespasso.
Caminhou mais de três légua
Sangrando quase sem trégua
Pra vir morrer no meu braço.
32
Baleada no pulmão
Por um pretendente em mágoa,
Morreu bebendo da água
Da parma da minha mão!”
FIM
12/07/2001
Romance do Tuím (cordel de Guilherme de Faria)
Romance do Tuím
(cordel de Guilherme de Faria)
1
O menino Tuím
Dirigiu-se à taperinha,
Parou de fungar assim
Que viu a sua cabrinha.
2
Anaís, o nome dela,
Que dava leite, coitada,
Pr'um cabritinho e pra ela:
A Gerusa adoentada,
3
Que jazia na rede
Co'a aquela febre malsã
Desde ontem de manhã
Com delírio e muita sede.
4
Viviam num universo
Restrito mas não menor
Pois o terreiro disperso
Era o Sertão ao redor,
5
Esse espaço infinito
De tanta fábula e mito,
De tanta necessidade
Em sua realidade.
6
O fogão que era de lenha
Esquentava o café
Que era feito só de fé,
Ralo como a resenha
7
Do Almanaque da Sé
Que era a só mensagem
Que chegava como aragem
A esse mundinho até.
8
Tuím ficou só olhando
A Gerusa delirando
C’o olho dele parado
Muito grande, arregalado
9
De menino de Sertão
Que ocultava por dentro
Um olhar vindo do centro
Da alma e do coração.
10
Tuím pensava forte
Na irmã e sua sorte
Que ele creía estar
Sob proteção do lar
11
E da sua também
Desde que cobrira bem
Os olhos da pequeninha
Pr’ela não ver o que vinha
12
Naquele parto sangrento
De sua mãe na esteirinha
Gritando, como no vento
Fazia a sua cabrinha.
13
Agora olhava sozinho
Até que a Gerusa foi
Saindo sem dizer “oi”
Da rede e do corpinho.
14
Tuím a acompanhou
Na rede até o outeiro,
No solo que se elevou
Só para aquele canteiro
15
De cruzes todo brotado
Como peito cravejado
Das balas de um destino
De sentido insuspeitado.
16
Ali já estavam dormindo
Mais de um irmãozinho,
A mãe e até o paínho,
Uma tia e o Laurindo,
17
Moço que fora um irmão
Para o Tuím por um tempo
E deixara o convento
Pra cuidar de sua mão
18
Que o Tuím machucara
Ao brincar c’uma sovela
Enferrujada e ficara
Perto de ficar sem ela.
19
De algum modo pegou
No moço a infecção.
Tuím perdeu um irmão,
O outeiro outro ganhou.
20
Agora Gerusa ia
Ali dormir ao seu lado
Pois co’aquela companhia
Ninguém ficava acordado.
21
Mas aquela plantação
Prometia só crescer,
Havia ainda um irmão
Mais velho para perder
22
E uma tia que, coitada,
Vagava sem energia
Sonhando meio acordada
Com um vaqueiro que havia
23
Que ela pensava um barão
Vestido com uma couraça
Que era de aço sem jaça
E não de couro o gibão.
24
Tuím então se jurava
Sair do lar e partir
Antes que fosse dormir
No outeiro que o esperava.
25
Voltou até a tapera
Juntando as miserinhas:
O seu pião de madeira,
O canivete e as bolinhas,
26
Enterrou-as no terreiro
Afastando o espevite
De Anaís que um certo cheiro
De cola fazia apetite.
27
Depois calcou o lugar
Para só ele encontrar
E reentrando fez a trouxa
Com quase nada, até frouxa.
28
Pendurou-a no ombro
E passou pela cabrinha
Que o olhava sem assombro
Como se fosse advinha
29
Enquanto ela era olhada
Num mesmo olhar que continha
O casebre e a cabrinha,
Com a cabeça voltada
30
Andando pra frente ia
Com um andar que ninguém vira.
Co’esse jeito parecia
O andar do Curupira.
31
Até que afinal virou
O rosto também pra frente
Co’aquele passo de gente
Que o destino enfrentou.
32
Andando naquela planura
Sem fim, que o engolia
Para quem somente o via
De uma mesma postura
33
Pois sua estória não ia
Acabar na travessia:
O pequeno sertanejo
Seria agora um andejo
34
E haverá de chegar
Na são Paulo, capital,
Pra de novo começar
Uma saga emocional
35
Que havera de vencer
Porque já nascera forte
E sendo cabrinha do Norte
Tinha o que dar e vender.
FIM
(cordel de Guilherme de Faria)
1
O menino Tuím
Dirigiu-se à taperinha,
Parou de fungar assim
Que viu a sua cabrinha.
2
Anaís, o nome dela,
Que dava leite, coitada,
Pr'um cabritinho e pra ela:
A Gerusa adoentada,
3
Que jazia na rede
Co'a aquela febre malsã
Desde ontem de manhã
Com delírio e muita sede.
4
Viviam num universo
Restrito mas não menor
Pois o terreiro disperso
Era o Sertão ao redor,
5
Esse espaço infinito
De tanta fábula e mito,
De tanta necessidade
Em sua realidade.
6
O fogão que era de lenha
Esquentava o café
Que era feito só de fé,
Ralo como a resenha
7
Do Almanaque da Sé
Que era a só mensagem
Que chegava como aragem
A esse mundinho até.
8
Tuím ficou só olhando
A Gerusa delirando
C’o olho dele parado
Muito grande, arregalado
9
De menino de Sertão
Que ocultava por dentro
Um olhar vindo do centro
Da alma e do coração.
10
Tuím pensava forte
Na irmã e sua sorte
Que ele creía estar
Sob proteção do lar
11
E da sua também
Desde que cobrira bem
Os olhos da pequeninha
Pr’ela não ver o que vinha
12
Naquele parto sangrento
De sua mãe na esteirinha
Gritando, como no vento
Fazia a sua cabrinha.
13
Agora olhava sozinho
Até que a Gerusa foi
Saindo sem dizer “oi”
Da rede e do corpinho.
14
Tuím a acompanhou
Na rede até o outeiro,
No solo que se elevou
Só para aquele canteiro
15
De cruzes todo brotado
Como peito cravejado
Das balas de um destino
De sentido insuspeitado.
16
Ali já estavam dormindo
Mais de um irmãozinho,
A mãe e até o paínho,
Uma tia e o Laurindo,
17
Moço que fora um irmão
Para o Tuím por um tempo
E deixara o convento
Pra cuidar de sua mão
18
Que o Tuím machucara
Ao brincar c’uma sovela
Enferrujada e ficara
Perto de ficar sem ela.
19
De algum modo pegou
No moço a infecção.
Tuím perdeu um irmão,
O outeiro outro ganhou.
20
Agora Gerusa ia
Ali dormir ao seu lado
Pois co’aquela companhia
Ninguém ficava acordado.
21
Mas aquela plantação
Prometia só crescer,
Havia ainda um irmão
Mais velho para perder
22
E uma tia que, coitada,
Vagava sem energia
Sonhando meio acordada
Com um vaqueiro que havia
23
Que ela pensava um barão
Vestido com uma couraça
Que era de aço sem jaça
E não de couro o gibão.
24
Tuím então se jurava
Sair do lar e partir
Antes que fosse dormir
No outeiro que o esperava.
25
Voltou até a tapera
Juntando as miserinhas:
O seu pião de madeira,
O canivete e as bolinhas,
26
Enterrou-as no terreiro
Afastando o espevite
De Anaís que um certo cheiro
De cola fazia apetite.
27
Depois calcou o lugar
Para só ele encontrar
E reentrando fez a trouxa
Com quase nada, até frouxa.
28
Pendurou-a no ombro
E passou pela cabrinha
Que o olhava sem assombro
Como se fosse advinha
29
Enquanto ela era olhada
Num mesmo olhar que continha
O casebre e a cabrinha,
Com a cabeça voltada
30
Andando pra frente ia
Com um andar que ninguém vira.
Co’esse jeito parecia
O andar do Curupira.
31
Até que afinal virou
O rosto também pra frente
Co’aquele passo de gente
Que o destino enfrentou.
32
Andando naquela planura
Sem fim, que o engolia
Para quem somente o via
De uma mesma postura
33
Pois sua estória não ia
Acabar na travessia:
O pequeno sertanejo
Seria agora um andejo
34
E haverá de chegar
Na são Paulo, capital,
Pra de novo começar
Uma saga emocional
35
Que havera de vencer
Porque já nascera forte
E sendo cabrinha do Norte
Tinha o que dar e vender.
FIM
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Romance do Cordelista (Cordel de Guilherme de Faria)
Romance do Cordelista
(Cordel de Guilherme de Faria)
1
Senhores, senhoras, povo:
Escutai minha oração.
Não é prece, não é novo,
Mas me vem do coração!
2
Pra me fazer entender
Depus pincel e paleta,
Voltei de novo a escrever
E me tornei um asceta,
3
Pois que para escrever
É preciso aceitar
Já não ter o que vender
E a pobreza acatar.
4
É preciso amar o verbo,
Com a palavra pintar,
Os quadros continuar
Num recurso tão acerbo
5
Pois as cores na escrita
Têm sua visão restrita
À pura imaginação
(se é que é restrição)
6
Agora sou cordelista
Mas como tal sou artista:
Pinto a vida e sua emoção,
Vou mais longe, na canção.
7
Viajo por esse mundão
Vasto do meu sertão,
Que eu não via tanto céu
Somente com meu pincel.
8
Ando com vaqueiro rude
Pela caatinga bravia,
Com as telas nunca pude
Perpetrar essa ousadia.
9
Vivo a vida das donzelas
E os amores que eram delas:
Coronéis, frades, bandidos
E desejos escondidos.
10
Sou um monge, sou palhaço
E passo a ser o que faço,
Com a pena a discorrer
Sobre o tema que escolher.
11
Percorro as terras do Norte
Que eu não via no ateliê,
Mas que agora a alma vê
Sem precisar de transporte.
12
Tenho toda a ventura
De viver tanta aventura
E pouco risco correr
De cruelmente morrer
13
A não ser de fome mesmo
Sobre a mesa do estúdio
Se houver muito repúdio
E faltar pão com torresmo
14
Se o povo não apreciar
O que tenho pra contar
Ou se não quiser pagar
Folheto de xerocar.
15
Sou pirata de mim mesmo,
A mim mesmo editando,
No xerox copiando
E vendendo meio a esmo.
16
Mas quanto prazer eu sinto
Isso eu confesso, não minto
Fazer o homem comum
Pagar por um simples pum
17
Mas da alma e seu delírio,
Por vezes branco qual lírio
Às vezes negro sombrio
Como um tenebroso rio.
18
E assim pedindo passagem
Aos meus novos galeristas
Não ratos de vernissagem,
Novos-ricos arrivistas
19
Mas àqueles a quem pena
Fala mais do que pincel,
A quem a imaginação plena
É livrada no Cordel!
20
Passei a viver profundo
Um novo ciclo de vida
Com todas as vidas do mundo
Com todo amor, toda lida,
21
Cavalgadas no sertão,
Batalhas por vã querência,
Um ferreiro e sua paixão,
A cigana e sua vidência.
22
Duelos de coronéis,
Princesas e seus anéis,
Amor paixão quase tudo
Eu posso viver sem estudo
23
Pois não preciso saber
Sobre o que vou escrever,
Pois esse é o mistério régio
De escrever por sortilégio.
24
"Não sabia que sabia!"
É com o que me defronto
Oposto à filosofia
"sei que não sei" e pronto.
25
Vou então finalizar
Para dormir e acordar
Neste perpétuo sonhar
Que não parece acabar,
26
Pois o que é o versejar
Se não um sonho acordado
Ou então dormir de lado
Para ao menos não roncar?
27
Deixem aos porcos o ronco,
Paulo Afonso no sertão
Ou pra quem serra tronco,
Ou onça sussuarão...
28
Mas estou já derivando
É melhor ir despedindo
Pois um sujeito é bem vindo
Quando chega e sai andando.
30
Assim fecho o escarcéu
Deste meu auto-retrato
Vamos pois fazer um trato
Deixa eu passar o chapéu
31
Que prometo vou embora
Pra quem já se desespera
Que lá em casa me espera
A santa da minha senhora...
FIM
sábado, 7 de janeiro de 2012
ROMANCE DA FILHA ROUBADA (cordel de Guilherme de Faria)
ROMANCE DA FILHA ROUBADA
(cordel de Guilherme de Faria)
1
Ouça agora povo eleito
Que de onde vem tem mais.
Sai da alma, sai do peito
(já não sei de onde sais...)
2
Me refiro à inspiração
De contar estas estórias
Que são a motivação
De viver tantas inglórias
3
Pois se me tornei vate,
Trovador, poeta ou bardo,
Devo em parte ao gesto tardo
De deixar falso combate
4
E aceitar a pobreza
(financeira, não da alma)
Pois verdadeir riqueza
É paz, fortuna que acalma.
5
Dito isso vou ao caso
Que havera de contar,
Repasso a estória e faço
Correr por dentro o olhar:
6
Naquele solar antigo
Na varanda pro pomar
Estava meu velho amigo
Sua estória a me contar,
7
Sentado na sua cadeira
De balanço a balançar,
Sua voz e sua maneira
Ainda posso lembrar,
8
Contando como perdera
Sua filha e sua mulher
Pr'uma "falange guerrera"
Que as quisera colher.
9
Eram jagunços de um tal
Capitão Valença chamado
Que apeou seu bando armado,
Dizendo: "Não leva a mal"
11
"Coronel, somos de paz,
E só queremos pousada.
Se és um homem sagaz
Nos darás , e uma montada"
12
"Pois precisamos de uma
Pr'uma carga que sobrou
Quando perdemos a bruma,
Égua baia que afogou"
13
"Quando atravessamos rio
Com ela bem crregada
De feijão farinha e mío
E a égua foi levada."
14
"Acreditei, nem temera,
Eu já estava acostumado
A dar guarida pra fera,
Jagunço e pau-mandado.
15
Já hospedei cangaceiro
Aquele "Diabo Louro",
Corisco, o rei do berreiro,
Que girava como um mouro.
16
Mas nunca fui um herdeiro
Do medo de quem hospedei,
Pois no sertão, um só rei:
Hospedado e hospedeiro.
17
E o tal capitão Valença
Não parecia feroz,
Não criava desavença,
Nem sequer erguia a voz.
18
Naquela noite minha filha
Que era moça muito pura
E era uma maravilha
De beleza e de candura
19
Eu escondi no porão
Onde dormiu assustada
(Não convinha mostração
Por causa da jagunçada).
20
Minha mulher servia a mesa
Pois já era passadota,
E eu com a mente presa
No porão e na filhota.
21
Talvez foi isso então,
Meu olhar denunciou
Uma tal preocupação
Que no meu porão ficou.
22
Então depois no meu quarto,
Insone de olho aberto,
Tendo a jagunçada farto
E espalhado ali tão perto,
23
Eu tive a agonia
De não saber, de fato,
O que além ocorria,
Sem poder sair do quarto.
24
Mas então lá pelas cinco
Eu escutei um relincho,
Levantei, saí da cama,
Que não dormi de pijama
25
E corri pra onde iam,
Trombando com as cadeiras,
Pisando naquelas esteiras
Onde já não dormiam
26
E pude ver da varanda
A tropa toda montada
A minha égua selada
Com elas meio de banda,
27
Minha mulher e meu tesouro
Levadas nesse roldão
No meio de um pelotão
Como para um matadouro.
28
Então gritei no vazio,
Abandonando o solar,
Vaguei na caatinga e no rio,
Nunca canso de vagar.
29
Mas sempre pra aqui retorno
E desço até o porão,
E na esperança eu torno
A olhar o seu colchão.
30
Duas vezes, afinal,
Logrei vê-la adormecida
Sobre o leito e no quintal
Debaixo de um pé de cidra.
31
Ela estava tão bonita,
Tão entregue em seu sono
Como se nunca a desdita
Fosse atingir o dono
32
Desta casa maldita
Agora surda e vazia."
Que só tinha uma visita,
Que era eu, que o ouvia...
FIM
06/03/2005
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Sobre o poeta de Cordel GUILHERME DE FARIA
GUILHERME DE FARIA é artista plástico profissional desde 1962, vivendo exclusivamente de sua arte desde então, com 50 anos de carreira ininterrupta, dedicados à pintura, ao desenho e à gravura. Tendo realizado centenas de exposições individuais e coletivas, no Brasil e no exterior, suas obras, que se distribuem em diversas fases, estão presentes em grandes coleções particulares , nacionais e estrangeiras, e em alguns museus brasileiros importantes como MAM, o MASP, e o Museu de Arte Brasileira da FAAP.
A partir de Julho de 2001, Guilherme, sabendo-se um contador de histórias nato (fato até então conhecido somente por seus amigos e parentes), resolveu dedicar-se também à literatura. Desde aquela data, não parou mais de escrever diariamente, tendo produzido um livro de contos “autobiográficos-delirantes” denominado “O Navio sob os Telhados”; um livro de poemas., um gracioso “Sonetos da Sertaneja¨”, um livro de estórias sertanejas em prosa, que ele chamou “Contos do Sertão”, todos inéditos, por serem recentes, e ainda não submetidos à editoras.. Mas considera publicado um livro de estórias em versos rimados, que realmente invadem o terreno da poesia, chamado ROMANCES DE CORDEL, que ele divulga em forma de folhetos ilustrados por ele mesmo, no estilo das xilogravuras populares do Nordeste.
A qualidade dos textos e das ilustrações vem notabilizando esse trabalho. O autor conseguiu uma grande homogeneidade de qualidade nos 100 poemas narrativos (até o momento), cujas estórias originais, de sua imaginação, revelam uma extraordinária fluência de inspiração, com linguagem, espírito e ambiência autenticamente sertanejos, sobre o fundo da caatinga nordestina, em plena seca. Trata-se de um fenômeno, pois o autor é paulistano, dos Jardins, sem ascendentes nordestinos, nascido e criado, como ele diz, “à beira da rua Augusta, esse “rio inglório”...
O poeta atribui esse “surto” tardio de inspiração sertaneja à experiência de uma expedição de sete dias realizada em 1970, pelo sertão de Pernambuco e Paraíba, numa perua cujo motorista que o convidou, tinha sido contratado para recolher mestres violeiros e repentistas, para conduzi-los até um grande congresso desses virtuoses que seria realizado em Campina Grande, na Paraíba. Guilherme conta essa estória, de maneira mítica, como “a viagem da procura do Pavão Misterioso”. Trinta anos depois, essa experiência única, decantando-se no espírito do poeta, e cristalizando-se, produziria o nascimento deste cordelista inusitado, cujos poemas, extremamente profundos, originais e belos, freqüentemente trágicos, mas ao mesmo tempo de grande lirismo, contendo também momentos de muito humor, poderíamos chamar de pequenas obras-primas.
O autor ainda teve a excelente idéia de reuni-los numa atraente caixinha de madeira, com título e ilustração na tampa, e original fecho de cadarço de couro, evocando os dos gibões dos vaqueiros; que ele, ironicamente denominou “Kit Cordel”, objeto que vem encantando as pessoas que o conhecem, podendo-se dizer que trata-se já de um novo sucesso do pintor e poeta. Essa obra foi adquirida já pela Biblioteca do Congresso em Washington, a maior e mais importante biblioteca do mundo, e por bibliotecas de universidades americanas, como a New Mexico University Library , USA., entre outras. (Vide “New Aquisitions List “ June 2005, Guilherme de Faria, Romances de Cordel), no Google.
(Texto de A. W.)
A partir de Julho de 2001, Guilherme, sabendo-se um contador de histórias nato (fato até então conhecido somente por seus amigos e parentes), resolveu dedicar-se também à literatura. Desde aquela data, não parou mais de escrever diariamente, tendo produzido um livro de contos “autobiográficos-delirantes” denominado “O Navio sob os Telhados”; um livro de poemas., um gracioso “Sonetos da Sertaneja¨”, um livro de estórias sertanejas em prosa, que ele chamou “Contos do Sertão”, todos inéditos, por serem recentes, e ainda não submetidos à editoras.. Mas considera publicado um livro de estórias em versos rimados, que realmente invadem o terreno da poesia, chamado ROMANCES DE CORDEL, que ele divulga em forma de folhetos ilustrados por ele mesmo, no estilo das xilogravuras populares do Nordeste.
A qualidade dos textos e das ilustrações vem notabilizando esse trabalho. O autor conseguiu uma grande homogeneidade de qualidade nos 100 poemas narrativos (até o momento), cujas estórias originais, de sua imaginação, revelam uma extraordinária fluência de inspiração, com linguagem, espírito e ambiência autenticamente sertanejos, sobre o fundo da caatinga nordestina, em plena seca. Trata-se de um fenômeno, pois o autor é paulistano, dos Jardins, sem ascendentes nordestinos, nascido e criado, como ele diz, “à beira da rua Augusta, esse “rio inglório”...
O poeta atribui esse “surto” tardio de inspiração sertaneja à experiência de uma expedição de sete dias realizada em 1970, pelo sertão de Pernambuco e Paraíba, numa perua cujo motorista que o convidou, tinha sido contratado para recolher mestres violeiros e repentistas, para conduzi-los até um grande congresso desses virtuoses que seria realizado em Campina Grande, na Paraíba. Guilherme conta essa estória, de maneira mítica, como “a viagem da procura do Pavão Misterioso”. Trinta anos depois, essa experiência única, decantando-se no espírito do poeta, e cristalizando-se, produziria o nascimento deste cordelista inusitado, cujos poemas, extremamente profundos, originais e belos, freqüentemente trágicos, mas ao mesmo tempo de grande lirismo, contendo também momentos de muito humor, poderíamos chamar de pequenas obras-primas.
O autor ainda teve a excelente idéia de reuni-los numa atraente caixinha de madeira, com título e ilustração na tampa, e original fecho de cadarço de couro, evocando os dos gibões dos vaqueiros; que ele, ironicamente denominou “Kit Cordel”, objeto que vem encantando as pessoas que o conhecem, podendo-se dizer que trata-se já de um novo sucesso do pintor e poeta. Essa obra foi adquirida já pela Biblioteca do Congresso em Washington, a maior e mais importante biblioteca do mundo, e por bibliotecas de universidades americanas, como a New Mexico University Library , USA., entre outras. (Vide “New Aquisitions List “ June 2005, Guilherme de Faria, Romances de Cordel), no Google.
(Texto de A. W.)
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
ROMANCE DA LOUCA (Cordel de Guilherme de Faria)
ROMANCE DA LOUCA
(Cordel de Guilherme de Faria)
1
Aquietem-se corações
E mentes, pra acompanhar
A estória e as emoções
Que agora passo a contar.
2
Sou viajante e poeta,
Andando aí a esmo,
Mas não sou nenhum asceta,
Como muito, com torresmo.
3
Às vezes em casa de pobre
Outras também na de rico;
Novela de horário nobre,
Metrô na hora de pico...
4
Vou colhendo meu acervo
Na boca mesma do povo,
Alguma vez dou no nervo,
Percebo ser um estorvo.
5
Mas nessa minha andança
Fui bater um dia, à toa,
Numa casa em vizinhança
Dessa que não destoa,
6
Gente humilde e comum
Mas vista na redondeza
Como de fosse algum
Refúgio de alta nobreza.
7
Percebi desde o começo
Sua fidalga maneira,
A fala sem um tropeço
De quem sequer vai à feira.
8
Mas o que mais me causou
Estranheza, foi a espera
Por alguém que não chegou
Senão quando a ceia já era:
9
Jovem mulher de uns vinte
Que saiu de um quarto ali
Vestida até com requinte
Num passo que nunca vi.
10
Dirigiu-se à janela
Com olhar quase febril
Consultando através dela
A lua primaveril.
11
Depois de um longo suspiro
Sem sorrir, voltou pra dentro,
Seu passo como um respiro,
Seu espaço como um centro.
12
A matriarca então pediu
Logo a minha licença
E depressa a seguiu
Saindo da minha presença.
13
Depois de um longo serão
Em que não pude cantar
Pois não havia canção
Que então viesse a calhar
14
E nem "deixa" para um causo
Pois o clima era de espera,
De suspense e não descauso,
De palácio e não tapera.
15
Fui afinal conduzido
Para um quarto c'uma vela,
Muito limpo e produzido
Como se fosse uma cela.
16
De convento ou monastério,
Já com a vista turvada,
Promessa de refrigério
Para a alma perturbada.
17
O sono não foi dos bons
Cercado que estava ali
De uma suíte de sons,
Alguns que eu nunca ouvi.
18
Até que lá pelas três,
A julgar por certo galo
Que cantou sem intervalo
Inconformado, talvez,
19
Percebi de novo o passo
Macio e deslizante
Da moça cujo compasso
Era frio e preocupante.
20
Então ouvi um gemido
E o lamento lá do fundo
De um ser talvez ferido
De uma dor que era do Mundo,
21
Logo seguido de um canto
Triste como um cantochão,
Pavana ou acalanto
Para um defunto no chão.
22
E dessa infanta funérea
Eu olhava pela fresta
Não mais a presença etérea
Mas um peso em sua testa
23
Que inclinada para o chão
Soluçava de dar dó
(sugerindo a tal canção
Qual no pescoço uma mó.
24
Pois naquela madrugada,
Ai dela! foi encontrada
No ribeirão afogada,
Por grande pedra ancorada.
25
E eu que não pude nada,
A não ser testemunhar
Uma tragédia lascada,
Saí dali sem falar.
26
Foi a única noitada
Esta que lhes contei
Em toda a minha jornada
Em que nem sequer cantei.
27
Mas ainda ouço o canto
Por dentro, que não o meu,
A dor de amor e o encanto
De um ser que em vida morreu
18
Vivendo sua própria morte
A cada noite tão longa,
Em que o destino, a má sorte
A hora estira, prolonga
29
Na espera eterna do amor
(e talvez não tenha paz
em sua morte, jamais)
Ó sorte, ó sina, ó horror!...
FIM
27/11/2004
(Cordel de Guilherme de Faria)
1
Aquietem-se corações
E mentes, pra acompanhar
A estória e as emoções
Que agora passo a contar.
2
Sou viajante e poeta,
Andando aí a esmo,
Mas não sou nenhum asceta,
Como muito, com torresmo.
3
Às vezes em casa de pobre
Outras também na de rico;
Novela de horário nobre,
Metrô na hora de pico...
4
Vou colhendo meu acervo
Na boca mesma do povo,
Alguma vez dou no nervo,
Percebo ser um estorvo.
5
Mas nessa minha andança
Fui bater um dia, à toa,
Numa casa em vizinhança
Dessa que não destoa,
6
Gente humilde e comum
Mas vista na redondeza
Como de fosse algum
Refúgio de alta nobreza.
7
Percebi desde o começo
Sua fidalga maneira,
A fala sem um tropeço
De quem sequer vai à feira.
8
Mas o que mais me causou
Estranheza, foi a espera
Por alguém que não chegou
Senão quando a ceia já era:
9
Jovem mulher de uns vinte
Que saiu de um quarto ali
Vestida até com requinte
Num passo que nunca vi.
10
Dirigiu-se à janela
Com olhar quase febril
Consultando através dela
A lua primaveril.
11
Depois de um longo suspiro
Sem sorrir, voltou pra dentro,
Seu passo como um respiro,
Seu espaço como um centro.
12
A matriarca então pediu
Logo a minha licença
E depressa a seguiu
Saindo da minha presença.
13
Depois de um longo serão
Em que não pude cantar
Pois não havia canção
Que então viesse a calhar
14
E nem "deixa" para um causo
Pois o clima era de espera,
De suspense e não descauso,
De palácio e não tapera.
15
Fui afinal conduzido
Para um quarto c'uma vela,
Muito limpo e produzido
Como se fosse uma cela.
16
De convento ou monastério,
Já com a vista turvada,
Promessa de refrigério
Para a alma perturbada.
17
O sono não foi dos bons
Cercado que estava ali
De uma suíte de sons,
Alguns que eu nunca ouvi.
18
Até que lá pelas três,
A julgar por certo galo
Que cantou sem intervalo
Inconformado, talvez,
19
Percebi de novo o passo
Macio e deslizante
Da moça cujo compasso
Era frio e preocupante.
20
Então ouvi um gemido
E o lamento lá do fundo
De um ser talvez ferido
De uma dor que era do Mundo,
21
Logo seguido de um canto
Triste como um cantochão,
Pavana ou acalanto
Para um defunto no chão.
22
E dessa infanta funérea
Eu olhava pela fresta
Não mais a presença etérea
Mas um peso em sua testa
23
Que inclinada para o chão
Soluçava de dar dó
(sugerindo a tal canção
Qual no pescoço uma mó.
24
Pois naquela madrugada,
Ai dela! foi encontrada
No ribeirão afogada,
Por grande pedra ancorada.
25
E eu que não pude nada,
A não ser testemunhar
Uma tragédia lascada,
Saí dali sem falar.
26
Foi a única noitada
Esta que lhes contei
Em toda a minha jornada
Em que nem sequer cantei.
27
Mas ainda ouço o canto
Por dentro, que não o meu,
A dor de amor e o encanto
De um ser que em vida morreu
18
Vivendo sua própria morte
A cada noite tão longa,
Em que o destino, a má sorte
A hora estira, prolonga
29
Na espera eterna do amor
(e talvez não tenha paz
em sua morte, jamais)
Ó sorte, ó sina, ó horror!...
FIM
27/11/2004
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