segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Romance do Alcoviteiro do Rei


(Cordel de autoria de Guilherme de Faria )

1
Estou, seu moço, a serviço
De um coronel já sem viço:
Talarico é o seu nome
E de rico, seu renome.

2
“Das Posses” é a sua herdade
Onde me cabe servir
Pra aumentar a liberdade
Que ele tem de oprimir.

3
Mas o homem é solitário
Como um despossuído
Só fazendo o inventário
Do que entrou e foi perdido.

4
Me pergunta vosmecê
Em que serviço estou.
Não devia de dizer,
(Foi o que recomendou...)

5
Mas vou lhe contar reservado,
Para haver entendimento:
É negócio de noivado
Com vistas de casamento.

6
Pra isso fui destacado:
Achar virgem encomendada
Que seja bela e prendada
(Já se viu que estou ferrado...)

7
Essa missão me chateia
De tão difícil, de tão...
Mulher bela no Sertão
Já tá casada, ou tá feia.

8
Não ponho no fogo a mão
Por virgem sem certidão
Que eu mesmo não tenha visto
(Me desculpe dizer isto...)

9
E a pérola dessa missão:
Se eu não volto com a donzela,
As minhas, na falta dela
Jogadas pros porcos vão...

10
Vi uma loura, artigo caro
Dessas sem parafina
Mas fui ver o bicho raro
E era uma Messalina.

11
Suponho que o coronel
Quer moça de olhinho baixo
Dessas que comem pastel
Sem tocar o contrabaixo

12
E que ao ouvir corem,
Seu nome na boca de um homem.
Artigo em extinção...
Sei como as coisas são.

13
Mas vou abrir a tramela:
Já encontrei a donzela
Bela e pura como freira
E cega como toupeira.

14
Espero que o coronel
Veja as coisas como eu:
Pode haver maior pitéu,
Quem escreveu e não leu?

15
Tão cega a princesa é
Que por isso não verá
O sapo que o coronel é
E até se comoverá

16
Com os versos que ele fizer
Já que o homem è jeitoso
E poeta quando quer,
Embora feio e maldoso.

17
Além disso ele é romântico,
( que os bandidos sabem ser ),
Pois tem o poder semântico,
Já que tem todo o poder.

18
Se lhe der flores do mato
Já no primeiro dia
Ela, com tanto olfato,
Por certo apreciaria...

19
Bem... estou imaginando.
Na verdade tenho medo.
Continuo procurando,
Tô achando meio cedo.

20
Tou mais inclinado por ela
Pois já não agüento a tranqueira
De tanto pai de donzela
Cevando porca e porqueira

21
Pr’um casamento arranjado
De conveniência e dourado
Mesmo que depois, riscado,
Tal ouro fique chumbado.


22
Pobrezinha, só se for
Linda e escorrendo mel
Assim disse o coronel
Com aquele riso sem cor.

23
Tá difícil, e a ceguinha
Ainda é o melhor partido
Pois não é coisa mesquinha
Tal graça, sem um sentido.

24
Até já fiz o pedido:
Cantei pra ela o patrão
Em versos com violão
E prosa, mais comedido.

25
Ele ficou parecido
Com um herói de bordel,
Quero dizer, de cordel,
Remoçado e redimido.

26
Tirei-lhe os dentes de ouro,
Os cabelos lhe botei,
Só chifres não coloquei
Porque isso é duradouro.

27
Hei de levar a anjinha
Seladinha, seladinha.
Quem gosta do meu pescoço
É ainda aqui este moço.

28
Mas eu agora constato:
Hoje mesmo me casava
E até me apaixonava
Pela ceguinha, de fato.


29
Se eu não fosse a alma perdida
Que o coronel cozinhou
Na sua cozinha maldita
Desde qu’ele me comprou.

30
Era a chance de encontrar
E rever o tal menino
Que eu era antes de entrar
Naquele antro “malino”


31
Mas vosmecê me releve,
Que essa prosa e a cachaça
Embora pareça leve
Antecipou a ressaca.

32
E essa pinga com torresmo
Me deu uma pena danada.
Mas acho, coisa engraçada,
Que é pena de mim mesmo.


FIM

19/05/2002

2 comentários:

Bel Fonseca disse...

Eii, um amigo me indicou seu blog. Adorei esse cordel. Um barato. Já guardei o link para continuar lendo. Abraços, Bel (www.beleleo.com.br).

Rafaela Chaves disse...

Olá Guilherme!!!
Meu nome é Rafaela, sou estudante de publicidade aqui em Fortaleza e estou fazendo minha monografia sobre a relação entre literatura de cordel e os blogs.
Vi seu blog e achei bastante interessante e gostaria de falar um pouco dele na minha monografia.
Gostaria de entrar em contato com vc por email.
O meu é: rafaelachaves@hotmail.com
Se puder entrar em contato comigo o mais breve possivel, ficarei grata.