domingo, 26 de agosto de 2007

Romance da Candiléia (cordel de Guilherme de Faria)



1
Ó sol perfeito, redondo,
Deste sertão inclemente!
Ó cachoeira de estrondo,
Paulo Afonso, meu parente

2
Segundo ouvi contar
Por um primo distante
Que se chamava Dante
(tá muito fácil rimar)!

3
Vou afinando os meus versos,
Que de viola não entendo...
A música tem seus perversos:
Poetas que não recomendo.

4
Eu sou mais um, mas dos bons,
Daqueles que tiram rima
Como água de pedra, e sons
Como a chuva cai de cima.

5
Por isso, aproveitando
Que hoje estou afiado,
Vou mais um caso contando,
Seja triste ou engraçado.

6
O melhor é quando os dois
Se unem em casos contados...
Tragicômico, pois,
Que é o melhor dos dois lados.

7
Era uma vez (velho prólogo
Que ainda é um bom começo
Para evitar o tropeço
De começar desde logo)

8
Uma moça sertaneja
Sem nenhuma brotoeja,
De pele morena, trigueira,
Sem verrugas, nem coceira.

9
Se chamava Candiléia,
Nome pouco religioso,
Parecendo de uma atéia,
Que logo ficou famoso,

10
Pois no sertão de Marias
Qualquer diferença, é fato,
Causa logo espalhafato,
Se não causa romarias.

11
Mas beleza, este é o ponto,
Perigoso, na verdade,
Porque em qualquer idade
Vira lenda, vira conto.

12
Então ( vocês viram tudo)
Ela havera de causar
Confusão neste lugar
De feias e de parrudo.

13
Candiléia feia e véia
Não havéra de ficar,
Seu destino era uma teia
Já tecida no tear.

14
Foi na festa do Divino
Que tal fato assucedeu
Quando um moço muito fino,
Estrangeiro, se envolveu

15
Pela beleza da moça
E logo se apaixonou;
Era paulista e sem roça,
E o povo se revoltou.

16
Candiléia desinbesta
Por uma noite e um dia,
Sua carne era uma festa,
Uma praça de alegria.

17
O sol torna e ilumina:
Morrer já podia então,
Pois o povo do sertão
Decretara a sua sina.

18
Candiléia, princesinha,
Não sabia a sua sorte
Pois o príncipe-consorte
A tinha feito rainha.

19
Ao descer a ladeira
Com o olhar sonhador
Depois de uma saideira
Que teve com seu amor

20
Foi então atropelada
Por cavalo e cavaleiro,
Ficando meio pelada,
O seio de fora, inteiro.

21
O povo então cortou
Esse seio e o venerou
Com o “Dia de Candiléia”
E praça com o seio dela

22
Transformado em touceira
Redondinha, bem tosada,
Bem defronte à encruzilhada
Onde se faz uma feira

23
Que vende um certo confeito
Com forma de seio e feito
Com “doce de candiléia”,
Doce como uma colméia

24
Mas co’aquela ferroada
Na língua feito pimenta,
Que é coisa que esquenta
E faz lembrar a coitada

25
Cuja beleza durou
Por uma noite e um dia,
Pr’um gringo que a tocou
E a fez morrer na alegria.

FIM
06/03/2005

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