terça-feira, 7 de agosto de 2007
Romance do Professor (cordel de Guilherme de Faria)
1
Agora meu povo amigo
Vou contar estória nova;
Tô cansado do antigo
Mas continuo na trova.
2
Nessas andanças no mundo
Encontrei muita poesia,
Amor, sentimento profundo,
Tolice também, que enfastia.
3
Encontrei a bizarria
Desse povo semi-louco
Que vive de cantoria
Mas ganhando muito pouco.
4
Achei amor desprendido
Nas mulheres e poetas
Mas posso ficar ofendido
Se nos chamarem de ascetas.
5
Por isso, antes do causo
Vou passar o meu chapéu:
Se houver muito descauso
Paro aqui e vou ao léu.
6
Ao Léo, que fique bem claro,
Que este é amigo raro
Pois me faz sentar na mesa,
Sempre teve a gentileza.
7
Na casa dele encontrei
Além de um belo prato,
O tratamento de um rei
Mas sem trono e espalhafato.
8
Espalhafato é o que sou,
Contando causos reais,
Não de rei que voltou,
Como Ricardo, e que-tais,
9
Mas de gente comum,
Não comezinha, isto não,
Pois prefiro soltar pum
Na casa de burguezão;
10
Mas de gente verdadeira
Embora pobre ou bisonha
Pois passo sempre a peneira
Antes de fazer pamonha.
11
Dito isso, vou contar
A estória de um professor
De continha de somar
Mas também bom orador.
12
Vivia em Tracunhaém,
Muito feliz sem vintém
Ensinando o pobre povo
A saber tudo de novo.
13
Quero dizer: a rever
Aquilo que o povo já sabe
Pois refletir é saber
Para que nunca se acabe.
14
Foi então que lhe coube
Algo assim, que nunca soube:
O amor, na forma ideal
De uma beleza fatal.
15
A filha de um coronel
Que contratou seu ofício
De preencher lousa e papel
Para efeito de comício.
16
Mas a bela eleitoreira
De seu pai “Maquiavel”
Estava mais pra faceira
Do que para Rapunzel
17
Cismou enredar na teia
O pobre do professor,
Fazer dele um par de meia
Para o seu pezinho pôr.
18
Pois se o moço era pobre
Era cheio de saber,
Só faltava encher de cobre
Para um marido render.
19
O pai, no início estrilou,
Mas nada negando à princesa
Percebeu e concordou
Com tamanha esperteza.
20
Era um plano muito além,
Ter diplomado na cama
De sua filha e refém
Da política e da fama.
21
Era, vocês perceberam,
Um caso de tentação,
Mefistófeles que eram,
Redivivos no sertão.
22
Ma o nosso professor
Já tava mais que enredado
Pois que tava apaixonado,
Tava pra lá do amor,
23
Coisa muito perigosa
Para um pobre orador,
Que dominava a prosa
E em poesia era um horror.
24
Começou a se afastar
Do povo que o venerava;
A pé não queria andar,
No Mercedes namorava,
25
No carro, digo, do chefe,
Que tinha até chofé
Que era um mequetrefe
De paletó e boné.
26
Parou de ir à escolinha
E o povinho abandonou,
Tava meio almofadinha
Quando o padre o encontrou
27
E lhe ensinou novo texto.
Disse direto e cabal:
“Professor, estás no mal,
Debaixo de sela e cabresto.”
28
“Não te envergonhas, bedel?
Tu que eras professor
Agora és um pastel,
De vento com mal odor.”
29
“Puseste o teu saber
A serviço do poder.
Traíste a causa do povo,
Que era só saber de novo”
30
“Aquilo que estava limpo
E precisava aflorar,
Tua missão era garimpo
Só devias peneirar."
31
“Agora, que coisa à toa,
Não passas de um pé de meia
E o pezinho da patroa
Te deixa de cara cheia.
32
“Olha, tens uma saída:
Volta pro povo ainda agora,
Pois tua vida te espera,
Ou preferes ir embora?”
33
“Se largares essa lida
De falsidade política
Salvarás a tua vida
Que já era quase mítica”
34
“No bom sentido, e agora
O mito virou mentira
E o povo sente e deplora
O desfecho que não vira”
35
“No horizonte do bem
Que esperava do seu mestre,
Que virou um nhenhenhém
De político rupestre,”
36
“Quero dizer, primário,
Não como o bom professor,
Que guardava num armário
Cartilha e lápis de cor”
37
“E no cofre da cachola
Não tinha nenhuma esmola,
Mas tesouros de verdade
Pra oferecer pra cidade.”
38
“Agora pega tua mala
Ou deixa pra lá, não importa,
Volta pra escola e pra sala
Que ficou vazia e morta.”
39
“Teus alunos, as crianças,
Tudo perdoam (ou esqueces?)
Se devolvas esperanças
E ensines novas preces.”
40
Assim falou nosso padre
Para o jovem professor,
E produziu um milagre:
Fez retornar o amor.
41
Pois aquilo era paixão,
Não o amor que ele queria,
E o professor sabichão
Voltou à sabedoria.
42
E na manhã seguinte
Vestindo o velho terno,
Sem gravata e sem requinte,
E sem colete no inverno,
43
O professor adentrou
A sala meio arruinada
Onde tava a criançada
Que em alarido o saudou.
FIM
06/03/2005
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