quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Romance da Pianista (cordel de Guilherme de Faria)


1
Na vila do Salgueiro
Do sertão pernambucano
Nasceu tocando piano
Uma moça de ar trigueiro.

2
Sem ter tido professor
Desde pequena ela tira
Umas musicas de cor
Que ninguém jamais ouvira.

3
Além disso era um delírio
De beleza deslocada
Era pura como um lírio
Que nasce na beira da estrada.

4
Tanto primor poderia
Despertar certa malícia
Mas isso não acontecia
Pois sagrada parecia

5
Nas festas de sua aldeia
Debaixo da lua cheia
Ao piano, no tablado,
Pro povo compenetrado.

6
Até que um dia passou
Por ali um forasteiro
Com ar janota e matreiro
De quem muito viajou.

7
Com costeleta comprida
E um bigodinho, fumava
Numa piteira estendida
Que ele nunca largava.

8
Declarando-se empresário
Ou coisa parecida
Tava mais para corsário
Ou piloto suicida.

9
No entanto ele cantava
Como sereia ou graúna
Pois logo ele acenava
Com a fama e a fortuna.

10
Pra reforço de argumento
Exibiu por um momento
De artistas um dicionário
Dos quais seria empresário.

11
Mostrou até umas tiras
De um jornal recortado
Com fotos de duplas caipiras
Que teria alavancado.

12
Tão hábil era o finório
Que aquela modesta família
Preparou “festa velório”
Para a partida da filha.

13
Imaginem , na verdade
A tristeza que viria,
A desgraça e a saudade
Que daquilo adviria.

14
Em cima do velho piano
Um rolo de notas deixou
Pelo contrato de um ano
Que, adiantado , pagou.

15
Poderia nem contar
O resto desta estória
Pros que querem projetar
Um final de vida inglória

16
Mas de forma inusitada
A moça passou no teste:
Muito amou e foi amada
Por aquele cafajeste.

17
E se tornou concertista
De fama internacional
Com sucesso como artista
E na vida emocional.

18
E depois de mil turnês
Voltou à sua Salgueiro
Como heroína que fez
Sua imagem no estrangeiro.

19
Seu pai, que estava instalado
Num belo sítio comprado
Com a pensão fiel da filha,
A estrela da família,

20
Contratou até festeiro
E o povo foi convidado
Para ouví-la no terreiro
Num piano encomendado,


21
Como um negro no deserto
Pelas galinhas cercado,
Com um galo empoleirado
Em cima do tampo aberto.

22
Afastado aquele galo,
Se não me engano, tenor,
A moça, sem intervalo,
Tocou e tocou com ardor.

23
E depois, ovacionada,
Foi deitar-se bem cansada
Na suíte preparada,
Após reza emocionada.

24
E adormeceu a sonhar,
Para não mais acordar
Pois seu coração parou
E o Concerto terminou.

25
Foi de manhã encontrada
Tendo na face estampada
Uma risada contida
De Monalisa Dormida .

26
Desconheço o sentido
Dessa fábula ilusória
Mas garanto o acontecido:
Não sou de inventar estória.


FIM


12/04/2002

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