domingo, 26 de agosto de 2007

Romance da Jaqueira Maldita ( Cordel de Guilherme de Faria)



1
Vou lhes contar em verso
Uma estória muito triste,
De tema controverso
E que não aceita chiste.

2
Na curva seca do rio
Tem a casa da desdita
Onde viveu esse trio
Sob a jaqueira maldita

3
Uma moça e seu irmão
Bonitos como ninguém
Moravam neste sertão
Sem precisar de vintém.

4
O seu pai, um cordoeiro,
Com o sisal tinha a lida
E vivia o ano inteiro
De uma única partida.

5
O casal, que foi crescendo
Vivia tão isolado,
Que só a si mesmo vendo
Se tornou apaixonado.

6
Brincando de esconde-esconde
Para melhor se encontrar,
Sempre faziam por onde
Poder logo se abraçar.

7
Que risos! Que transparência
Nestes dois transparecia,
Neste Reino de Inocência
Do amor que os unia !

8
Descontando os desmazelos
E também suas mazelas
Eram criaturas belas
Com os seus longos cabelos

9
O “casal”, assim chamado
Pelo pai tão distraído,
Vivia sincronizado
Como um ser que fosse unido.

10
De nome eram Téia e Lino
Mas só pra efeito, mais tarde,
Quando a faca do Destino
Reduziu-os à metade...

11
Apareceu do outro lado
Desse rio malfadado
Um par de olhos, sombrio,
Que era de um certo tio.

12
Homem mesquinho e frio
Destilou o seu veneno
Que atravessou o rio
E veio ganhar terreno

13
Na mente do seu irmão
Que vivia até então
Naquela mesma candura
Do parzinho de alma pura

14
Produziu-se a corrosão
Do veneno em sua mente,
E também no coração,
Para ver maldosamente.

15
Começou por proibir
As saídas do casal
Que só eram de quintal,
Que nem tinham onde ir.

16
Não podiam simplesmente
Jogar a cabra cega
Ou brincar de pega-pega
Que virou coisa “indecente”.

17
O casalzinho num triz
Mudou de alegre a infeliz
Téia vivia a chorar
E Lino a se revoltar.

18
Então, numa discussão
Que o pai teve com Lino
Aconteceu a explosão
Que selou o seu destino.

19
O jovem de alma exaltada
Não aceitou desaforo
E por ter o seu decoro
Resolveu pegar a estrada.

20
Téia correu uma légua
Atrás do Lino na égua,
Até cair sobre o solo
E voltar do pai no colo.

21
Daí pra diante, se viu:
Essa moça definhou
Foi secando com o rio,
Nunca mais se levantou

22
O velho a enterrou
Chorando de dar dó.
Antes seu cabelo cortou,
Com a garganta num nó.

23
Nó que vinha anteceder
O que viria, afinal,
Depois da corda fatal
Com aqueles cabelos tecer.

24
O sinistro nó correu
Na jaqueira amarrado,
E pelo pescoço, enforcado,
O velho logo pendeu.

25
Um metro acima do piso
Pela corda sem sisal
Pois o velho, afinal,
Já tinha perdido o siso.

26
O povo que aqui se esgueira
Faz da cruz o sinal
Diante daquela jaqueira
Com sua trança fatal.

27
Qual musgo ela ainda pende
Passando despercebida
Pra quem nunca se arrepende,
Pra quem não sabe da vida.

FIM
25/07/2001

Nenhum comentário: