sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Máximas do Trovador Sertanejo (de Guilherme de Faria)




Máximas do Trovador sertanejo
(cordel de Guilherme de Faria )


1
O barro de que foram feitos
Os homens logo refletem:
Correndo para outros leitos
As águas do Tempo os derretem.

2
Seja predador ou presa,
Seja santa ou prostituta,
Todos perdem a beleza
Na triste “vecchiaia brutta”.

3
Por armas tendo uma queda
Por elas morres ligeiro
E se amas a moeda
Morrerás pelo dinheiro.

4
Há outra realidade
Que me parece maldita:
Pois a pior verdade
É a que não pode ser dita.

5
Homem e mulher, no início
Como um só ser se renova;
Mamilo de homem é resquício
E o fiofó é a prova.

6
Mulher de sapateiro
(Haja visto a Maria Bonita)
É chegada em aventureiro
Como aquela brava Anita.

7
Largando marido poltrão
(não queriam usar o quepe)
Uma foi com o Lampião
Outra foi com o Giuseppe.

(Variante):
Largando marido poltrão,
Sem ligar que a gente malde,
Uma foi com o Lampião
Outra foi com o Garibaldi

8
Cuspir deixa a boca seca
Não dependendo do ano
No nordeste dá a Seca
Mas no sul dá Minuano.

9
Se vejo mulher bonita
Fico logo abalado
É uma espécie de desdita
Ser dest’arte desastrado.

10
A Beleza é um mistério
Mormente neste sertão
Um olhar que é refrigério
Ou calor de combustão.

11
A ruindade de alguns
É outro mistério profundo
Ser bom, mas tratado a puns,
Ser mal: aplausos do Mundo!

12
Ao Cristo, se a Terra volvesse
Pediriam “saite” e “email”,
Arroba, com, o estresse,
E conta no bar do Ismail.

13
Encontrei um homem santo
Que preferia calar:
Com medo de causar pranto
Procurava nem piscar.

14
Também não fazia o bem
Pra não ser mal enfocado
Pois o bem pode também
Ser um mal pro outro lado.

15
Resultado: no Inferno
Ele é que foi rejeitado,
Ficando de fora, sem terno,
Sem gravata e sem calçado.

16
Quem nunca se apaixonou
Não pode falar de amor
Como quem não engatinhou
E já quer barco a motor.

17
A gente apaixonar-se
É sinal de humildade:
Acreditar na bondade,
Na beleza, e abandonar-se.

18
Colocar o humano alto
É uma bela ingenuidade,
Que enaltece o arauto
E esmaece a potestade.

19
Pra servir o ser humano
É preciso, pois, candura:
Acreditar na mistura
Como aquele franciscano.

20
Seu herdeiro, aquele um
Que se pode navegar,
Já deu tanto ao bem comum,
Que já querem represar.

21
Não sei se me faço entender,
Vou então simplificar:
Para o pobre enriquecer
É preciso saber dar.

22
Só conservamos o herdado
Deixando o cofre bem oco.
Se sentares no engradado
Só terás um ovo choco.

23
Se mantiveres tua Arte
Teu Bem e tua Verdade
Só Deus vai procurar-te
Reivindicando a herdade.

24
E a Ele devolverás
O que era teu por empréstimo.
Sendo que os juros terás,
Devolvidos por seu préstimo.

25
A vida é, bem no fundo,
Escolinha do Sertão:
Amar tudo e todo mundo.
Pra depois vestir gibão,

26
Que a espinhosa catingueira
Terás de atravessar
Pois a vida é uma carreira
Para um novilho laçar.

27
Esse novilho, atenção,
Será o teu Ideal,
Que laçado, cai ao chão
No meio deste areal.

28
Mas, se o tratares bem,
Mesmo sendo do patrão
Não ganharás só vintém,
Mas a honra do Sertão!


Nota do autor:

Fui questionado por um purista do cordel, quanto a esse texto, que ele considerou "trovas encadeadas", e não "cordel verdadeiro", pois além de serem estrofes e não sextilhas com sete sílabas no verso, etc, não contavam uma história linear. Mas acontece, que segundo a doutora em letras Marcia Novaes, da USP, na sua tese de doutorado sobre o Cordel, este é um gênero editorial e não um gênero literário, tese que ela provou sobejamente com grande pesquisa até na torre do Tombo, em Portugal. Tudo já foi escrito em Portugal e Espanha desde o século XVI, em forma de cordel, isto é em folhetos, em edições do autor: contos, novelas, romance folhetim, sermões, trovas, teatro, sonetos, etc. A condição para ser cordel é ser literatura popular, vendida nas ruas, em forma de folhetos de papel barato, ilustrados ou não. As xilogravuras das capas dos folhetos nordestinos são um notável requinte e tradição em perigo.

Um comentário:

Dalinha Catunda disse...

Guilherme,
Sou cordelista. Porém me considero, uma contraventora do cordel. Pois não quero aprisionar meus versos em métricas ou em numeros de versos.
Gosto de tudo que brota espontaneamente.
Acho que você manda muito bem, é gostoso ler tuas quadras. Você tem ritmo, enredo, sintese e prende na leitura. Isto é que é importante.
Um abraço,
Dalinha Catunda